Discurso de Posse de Rosa
Maria Maia Gouvêa Esteves – Sócia Fundadora da Academia
Itatiaiense de História – dia 07/08/1993
Cadeira - Reynaldo MaiaSouto
Primeiramente, meus
cumprimentos ao Exmo.sr. Jair Alexandre, DD. Prefeito de Itatiaia,
ao Exmo.sr. José Ricardo dos Santos, Presidente da Câmara Municipal
de Itatiaia, demais autoridades, ao presidente da Academia
Itatiaiense de História, confrade Cláudio Moreira Bento, Confrades,
confreira, senhores e senhoras
Tomar posse na cadeira cujo
nome tem por patrono Reynaldo Maia Souto deixa-me duplamente
envaidecida uma vez que além de grande figura humana, foi um homem
de destaque tanto na sociedade Barreirense, Resendense e Itatiaiense
e é também meu tio avô.Falar de Reynaldo é um deleite uma vez que
tudo que fez, assim também o foi...
Começo citando sua
autobiografia: ”Nos últimos suspiros do século dezenove, ali um
quilometro da cidade de S. José do Barreiro, mais para o sul e mais
perto da serra da Bocaina, numa velha palhoça, eu vi pela vez
primeira, as luzes do mundo, em 23 de março de 1892. Naquele mesmo
teto, dez irmãos se agitavam em busca de um destino e todos
cresceram sobre o calor de um pai português e de uma mãe
brasileira”.(manuscritos – Reynaldo Maia Souto).
Passou sua infância na chácara
da família em S. José do Barreiro, apreciando a natureza, o que
influenciou muito como iremos observar em seus manuscritos, com
exaltação a Serra da Bocaina, seus piqueniques pelos campos, sua
sensibilidade para apreciar os pássaros e flores, o que o levou a
pesquisas metereológicas na Serra da Bocaina.
Assim expressou-se quanto à
inclemência do homem pela natureza:
“(....) De porte ereto
senhorial ! Admirado por diversas gerações, querido por todos como
sentinela, avançada de uma grandeza legendária, ele, o soberano, o
veterano, contemplou por séculos, o fausto da natureza virgem;
(....) agora ... Só, sem pai,
sem mãe e sem irmãos, que as labaredas consumiram em consórcio com
os machados....(....) soltou um profundo gemido que reboou pelas
quebradas e tombou para sempre...!
“Jequitibá frondoso, inspirador
de estrofes e gorgeios maravilha de uma geração pungente, rei das
florestas do Brasil, eu te contemplo, entristecido agora, assim
tombado para as cinzas”. (1942, pág. 175. História de São José do
Barreiro.)
As primeiras letras foram
aprendidas com os professores Armando Nestor Pereira, Fausto Correa
Viana, Pedro Nolasco e José Paes Júnior, a domicilio uma vez que as
escolas eram escassas e longes, e as famílias mais abastadas pagavam
os mestres para ensinar seus filhos, em suas residências. Aos 14
anos já demonstrava grande interesse pela profissão de farmacêutico,
cabe aqui lembrar que esta profissão requeria muitos pré-requisitos,
uma vez que não tinham os remédios industrializados, assim os que
aspirassem estas profissão deveriam aprender a manipular as matérias
primas que compunham os remédios, a fim de que pudessem atender a
sua clientela.
Então, Reynaldo para
aperfeiçoar-se, primeiramente, entrou para a farmácia de Arthur
Ribeiro de Oliveira e peregrinou muito no aprendizado da profissão
por: Bananal, Rio de Janeiro – A capital Federal, S. João da Boa
Vista, Igarapava e finalmente formou-se na Escola de Farmácia de
Pindamonhangaba.
Proprietário de Farmácia tanto
em S. J. do Barreiro como em Itatiaia, desenvolveu outras
atividades paralelas a paixão pela farmácia, homem comprometido com
seu tempo e sua comunidade, Maia Souto foi redator do Jornal “O
Barreirense” fundado em 1º de abril de 1924/1932 de propriedade de
Antenor de Carvalho; foi sub-delegado de polícia, Vereador e
Presidente da Câmara (1926); um dos diretores da Santa Casa de
Misericórdia de S. J. do Barreiro, juntamente com o Dr. Adolfo
Carneiro de Almeida Maia e Prof. Ademar de Carvalho Campos(1928);
Diretor do Rádio Clube
Barreirense Secretário do Diretório do Partido Republicano; um dos
fundadores da Biblioteca Pública de S. J. do Barreiro, inaugurada em
sessão solene da Câmara em 09/03/1929 e finalmente prefeito de São
José do Barreiro (1927-1930), em cujo mandato conseguiu a construção
das Escolas Reunidas de São José, através de uma verba de 60 contos
de réis, vindo do Governo de São Paulo. Em seu governo foi erigido o
Cruzeiro – Marco da cidade e, 01/11/1927, assim como a construção de
pontes e conservação das estradas intermunicipais, seu mandato foi
abruptamente interrompido, pois em 1929 (Crack da Bolsa de Nova
York) trouxe conseqüências políticas e econômicas para o Brasil,
principalmente para São Paulo que perde a hegemonia da política
café-com-leite para indicação do Presidente da República.
Veremos também o rompimento
entre o Partido Republicano Paulista, do qual Reynaldo Maia fazia
parte, e o Partido Republicano Mineiro, porque Washington Luis
resolveu apoiar a candidatura de Júlio Prestes – paulista – sendo
que seria a vez de um mineiro ocupar a presidência, rompendo o pacto
café-com-leite.
Outro fato que vem agravar os
incidentes é o assassinato de João Pessoa, vice na chapa de Getúlio.
Isto faz com que o sul/nordeste se levante, depondo Washington Luis.
Vargas assume o poder e
intervém nos Estados, em 1932 veremos São Paulo sob a palavra de
ordem “interventor civil e paulista”, para exigir a imediata
reconstitucionalização do País, e mais uma vez, segundo o
historiador Aureliano Leite (1934), Reynaldo serviu a população e a
revolução como um dos líderes do Partido Republicano Paulista.
Sobre a Revolução
Constitucionalista de 1932, Reynaldo assim relatou:
“Barreiro sentiu em longas
vigílias de ansiedade, o rebombar dos canhões; o Zé Pereira das
metralhadoras, o ranger sinistro do vermelhinho a lançar as suas
bombas sobre a cidade e veio o seu bravo e heróico defensor,
baquearem em Posto de comando e obrigado a retirar-se para a
retaguarda dos combates; quando voltou... o seu ouro... as suas
pratas... as suas porcelanas ... os seus arquivos...lembranças de
velhos amigos que já haviam partido para outro mundo, tudo havia
desaparecido na voragem sinistra!” (pág. 110 – História de São José
do Barreiro)
Reynaldo Maia Souto que
era viúvo de Maria Cândida da Gama, casou-se em 2ª núpcias
com Albertina Soares Lara, nascendo desta união sua única
filha Clícia Maia de Almeida, que casada com Adão de
Almeida Filho lhe deu dois netos: Cleverson José Maia de
Almeida e Sandra Maria Maia de Almeida.
Em 1933, veio residir em
Itatiaia devido a conjuntura política nacional e também para dirigir
os negócios dos Maias, pois a Farmácia Campo Belo terminara de ser
incorporada à Firma, Irmãos Maia da qual era sócio com os irmãos
Oscar e Sebastião.Período em que passou a escrever pra o jornal “ O
Campobellense”, sendo seu redator-chefe (1938).
A partir de 1941, Reynaldo
passou a fazer parte do Instituto Genealógico Brasileiro, como
sócio-contribuinte. Em seu livro “História de São José do Barreiro”
refere-se ao instituto: “Só o Instituto Genealógico Brasileiro com a
cooperação dos Governos da União, dos Estados e dos Municípios
poderão salvar os arquivos, tesouros inestimáveis e quase todos sem
o carinho que merecem. É isso, uns dos grandes problemas do Brasil.
A cultura e a Civilização não podem dispensar seus levantamentos. De
onde viemos e para onde vamos?” (pág. 191 – História de São José do
Barreiro)
Reynaldo morava ao lado da
farmácia, na Rua São José nº 64, onde, hoje é a Chácara Pequenina em
homenagem a Tia Albertina – como único farmacêutico do lugar dedicou-se
incessantemente ao atendimento da população, sobretudo aos mais
necessitados e crianças.
Com relação a esta sua
dedicação, Clícia Maia, sua filha disse: “– Papai, por vezes, dormia
vestido, porque alguém poderia precisar de seus cuidados, a qualquer
hora.”
Paralelo a vida cotidiana dos
Itatiaienses, o Brasil passava por uma redemocratização, período que
assume Dutra, no pós-guerra e já sob o signo da democracia, veremos
então Reynaldo preparar-se para a volta a vida pública, interrompida
pela ditadura Vargas.
Mostrando seu reconhecimento à
população campobelense o elegeu seu representante na Câmara
Municipal de Resende, onde ocupou sua presidência por duas
legislaturas, no período de governo de Geraldo Rodrigues (12/10/1947
– 31/01/1951) e no Governo de João Maurício de Macedo Costa
(31/01/1951 – 31/01/1954).
No período que ocupou a
Presidência da Câmara eleito pela UDN (União Democrática Nacional)
conseguiu nova ligação da água para Itatiaia, com a instalação da
Caixa Abastecedora no alto da colina atrás da Matriz de São José,
local em que mais tarde desenvolveu a “Vila Maia”.
Através de seus discursos
podemos ver a alma do filósofo, jornalista e escritor.
“As estradas e as pontes são as
veias por onde corre o progresso e com ele o conforto e a alegria de
viver”. (Campanha política para eleição de Luiz Cleto da Rocha à
Prefeitura de Resende).
“Povo de Itatiaia tenha a
certeza de que velarei sem canseiras pelo vosso conforto material e
moral, até que desta terra eu possa ausentar-me um dia, deixando
alguma lembrança de minha passagem. Unido pela grande causa de
Itatiaia havemos de conseguir os seus anseios” (Discurso proferido
no Cine Itatiaia ao povo Itatiaiense).
“A vitória nos pleitos
eleitorais deve ser a vitória dos bons princípios, da virtude, da
honestidade e da estabilidade de um regime sadio de paz e de
progresso.”
“Liberdade que é o apanágio de
todos os povos cultos do mundo, liberdade sem entraves, sem
fronteiras, mas liberdade dentro da ordem, dentro da razão, da
justiça, no âmbito salutar da sã moral, onde medram e vicejam os
mais elevados princípios de amor ao próximo”. (Discurso pela
candidatura de Luiz Cleto da Rocha) – candidato à prefeito pela
coligação PSD e UDN em 1954).
“A hora é de ação enérgica e
construtiva para que as vivas do município se movimentem no mesmo
sentido de elevar e engrandecer as suas células vitais”. (Discurso
ao povo de Campo Belo, quando já era o presidente da Câmara).
“Na Câmara serei sempre o vosso
leal representante o vosso amigo, aquele que o vosso apoio e a vossa
amizade quis galardoar com a mais elevada posição! Eu vos agradeço e
vos afirmo a minha solidariedade em todos os embates da vida!”
(Idem).
“Quem poderá viver neste grande
templo de ilusões e incertezas, benéfica, sem esse calor vivificante
que suaviza e revigora o espírito na árdua travessia? A amizade tem
raízes de ouro que se afirmam vigorosas nos corações humanos,
transforma indiferença da sociedade em relicários sagrados onde
recendem os incensos na nobreza. (pág.172 – Auroras e Crepúsculos
manuscritos).
Ficou na política até 1955,
sendo que em 1956 vai para Niterói morar com sua esposa e filha,
porque havia falecido seu genro Adão de Almeida Filho.
No período que esteve em
Niterói dedicou-se mais a seus escritos: Minha Terra (São José do
Barreiro – História) 1859 – 1959; Apontamentos Históricos,
Literários e Genealógicos (História de São José do Barreiro);
Genealogia da Família Leite; estes livros foram publicados e em
manuscritos Auroras e Crepúsculos, História de Itatiaia e Arrulhos
da História.
A partir de 22/10/1059 passou a
fazer parte do Cenáculo Fluminense de História e Letras na cadeira
patrocinada por Antonio Gonçalves Dias.Desta sua passagem pelo
Cenáculo o amigo poeta Moysés Augusto Torres, assim o saudou:
Ao historiador e acadêmico
Reynaldo Maia, ilustre membro do Cenáculo Fluminense:
Itatiaia
Fugindo do reboliço da cidade,
Que muito esgota e deixa
aniquilado,
Andei, assim, com grande
ansiedade,
Fui encontrar o ponto
idealizado,
Nessa vida feliz... Localidade,
De clima ameno e privilegiado!
ITATIAIA! Dádiva...! Sorriso...!
Lugar que mais parece um
paraíso,
Que inspiração transmite ao
pobre “escriba”...
Pequena vila, amiga,
hospitaleira,
Incrustada ao sopé da
Mantiqueira,
Num recanto do Vale do Paraíba!
Mas, em 1962 foi acometido de
trombose o que lhe roubou o encanto dos discursos, mas com Reynaldo
mesmo anteviu “Povo de Itatiaia tenha a certeza de que velarei sem
canseiras pelo vosso conforto material e moral, até que desta terra
eu possa ausentar-me um dia, deixando alguma lembrança de minha
passagem”, e assim o foi quando em 27/08/1967, já doente, lhe foi
conferido o “Título de Cidadão Resendense”.
Em 17 de outubro de 1969 faleceu em Niterói nosso incansável amigo
Reynaldo, como diz o grande escritor Guimarães Rosa, “morremos para
provar que vivemos”. E ninguém melhor do que Reynaldo deixou exemplo
disto.
Conforme sua vontade foi sepultado no Cemitério Velho da Terra em
que nasceu. Sobre a morte certa vez, assim pronunciou-se “ todas as
fantasias risonhas, sonhos quiméricos que embalam a vida! Os crânios
desnudos e sorridentes na eterna filosofia das misérias terrenas,
como que escarnecem de nossa pobreza, apegada a vaidade e a luxúria”
Sorriem, porque contemplam de lá das plagas misteriosas de Alah, o
caminho tortuoso que perlustramos. Sorriem das nossas fraquezas. É o
sorriso invariável que se choca da morte contra a vida! Da alma
contra a matéria! Da verdade contra a mentira! Eterno sorriso da
caveira!... Tangem os sinos... a noite desce...Ave Maria!” (Auroras
e Crepúsculos – Manuscritos).
E mais uma vez Reynaldo anteviu quando por solicitação da Ilma.Sra
Walda Walquíria Bruno, que era Diretora de Ensino naquela época,
pede ao Exmo Sr. Prefeito Dr. Aarão Soares da Rocha que construa uma
escola para Itatiaia e assim o foi e por sugestão do Dr. Aarão foi
dado o nome à escola de REINALDO MAIA SOUTO.
Quando interpelado, Dr. Aarão sobre o porquê do nome dado a escola,
assim o D.D. Exmo Prefeito se colocou: - “Sr. Reynaldo foi um homem
culto, inteligente e principalmente uma pessoa disponível que
colaborava com seus conhecimentos para auxiliar seus semelhantes,
nada mais justo que seu nome seja dado a escola, local do saber,
onde devem imperar a seriedade, a formação do caráter e o respeito
pelo ser humano.”
Encerro, fazendo uma singela homenagem ao meu tio-avô, parafraseando
o grande poeta Manuel Bandeira:
“Louvo o Padre, louvo o Filho”,
O Espírito Santo louvo.
Isto feito louva aquele.
Que ora chega a academia
E no meio de seus pares
Prima pelos seus discursos
Este homem lúcido e límpido
“Que foi Reynaldo Maia Souto”.
(Evocação, Manuel Bandeira)
Bibliografia:
Leite, Aureliano-Martírio e Glória de São Paulo-Revistas dos
Tribunais, 1934.
Pedreira, José Rodrigues – Resende em Revista – Gasetilha, 1975.
Pereira, Denize Manzi Frayze x Koshiba, -Luiz – História do Brasil
Atual; 1987.
Souto, Reynaldo Maia – Discurso (manuscritos) – 1947/1955.
Souto, Reynaldo Maia – História de São José do Barreiro –
Apontamentos – Históricos, Literários e Genealógicos, 1959. |