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Vargem
Grande e o Café Bourbon
Antes
de fazer alusão a esta curiosa parceria, que certamente vai causar surpresa
para muitos, vamos falar inicialmente dos primórdios deste distrito, hoje
denominado de Pedra Selada.
O
distrito de Santo Antônio da Vargem Grande inicialmente foi originado de um
desmembramento de São Vicente Ferrer (atual Fumaça) e uma pequena parte do
distrito sede, através de intervenções constantes do ilustre resendense
Comendador Fabiano Pereira Barretto, o que resultou pela Assembléia Provincial
com o Decreto 635 de 23 de agosto de 1853. Autorizado pelo citado decreto, o
Governo Provincial fixou seus limites: a Oeste com o rio Pirapetinga e o ribeirão
da Brigada, dividindo-se com o distrito da Cidade; a Leste com a freguesia de S.
Vicente Ferrer, desde o rio Preto até o Paraíba, por uma linha de rumos de
fazendas.
Criado
o distrito de paz e a subdelegacia de polícia pela deliberação de 17 de
novembro de 1855, teve a Vargem Grande a graduação de freguesia, que lhe foi
dada pelo Decreto 915 de 30 de outubro de 1856.
As
divisões administrativas de 1892 e 1938, conservaram o distrito sob o nome de
Vargem Grande, mas o Decreto-Lei 1056 de 31 de dezembro de 1943, substituiu-o,
com a troca da denominação para Ibitigoaia, que durou pouco tempo, logo depois
em1944 passou a denominação atual de Pedra Selada.
Nesta
região resendense, foi onde surgiram as primeiras plantações do café no Vale
do Paraíba, introduzidas inicialmente pelo Padre Couto (Antônio do Couto da
Fonseca). Da fazenda de Antônio Bernardes Bahia
Resende
foi o primeiro pedaço de terra brasileira onde o café encontrou acolhida de
elementos que propiciaram o seu grande desenvolvimento, de modo a alcançar
aquele surto admirável na nossa balança econômica. No final do século
XVIII,o café já era cultivado nos distritos de Resende, por isso o Vale do
Paraíba (fluminense), teve a prioridade de ser o viveiro inicial das grandes
plantações do 'ouro-rubro'.
A
Província do Rio de Janeiro era rica, feliz e invejada, uma princesa entre suas
irmãs; que durante oitenta anos concorreu decisivamente para a formação das
nossas forças armadas: o exército e a marinha; fornecendo abundantes recursos
ao governo para as despesas extraordinárias da guerra do Paraguai, assim como
para todos os melhoramentos; tais como as estradas de ferro e de rodagem, edifícios
públicos...etc.
Para
ter uma idéia da opulência da cultura cafeeira nesta região (S.Vicente Ferrer
e Vargem Grande), em 1868 no auge da produção de café, estes dois distritos
possuíam quase a metade dos fazendeiros de café do município que eram em
torno de 560 .
Quando
em 1927 realizou-se uma grande exposição comemorativa do bicentenário da
introdução do café no Brasil, os organizadores escolheram a cidade de Resende
para inauguração de um obelisco em homenagem ao 'Berço da Grande Lavoura
Cafeeira'. Atualmente encontra-se esquecido e localizado ao lado do Paço
Municipal.
Nas
palavras do Prof. Araújo Filho, grande estudioso da cultura cafeeira em nosso
país:... "Nenhum dos produtos que representam no passado fontes de riqueza
do Brasil pode emparelhar-se com o café tanto no que diz respeito ao seu valor
de produção, quanto nas conseqüências sócio-culturais produzidas. Nem a
cana e nem o pau-brasil nos primeiros tempos da colônia, e muito menos o ouro e
as pedras preciosas no final do período colonial português nas conseqüências
oriundas para os brasileiros, podem medir forças com o café.
O
Comendador. Fabiano Pereira Barretto, resendense e figura de maior projeção no
cenário político e social do município,alcançou todos os mais importantes
postos da representação política local. Foi uma personalidade com um espírito
dos mais adiantados e operosos da época, fazendo de sua fazenda Monte Alegre na
então freguesia da Vargem Grande, um campo de demonstração prática da adaptação
das terras resendenses às novas culturas, como a exploração do plantio de chá,
a experimentação da cultura do café, tipo Bourbon, até então desconhecida
no Brasil, a plantação de tabaco... etc.
A
fazenda Monte Alegre
O
café 'Bourbon', nasceu por experiência de fecundação por hibridação do café
Libéria com o café Comum, realizada pelo Dr.Luiz Pereira Barretto, filho de
Fabiano Pereira Barretto, na Fazenda Monte Alegre na Vargem Grande
Comprou
várias mudas por um alto preço na ocasião e levou para Resende, plantando-as
na horta da Fazenda Monte Alegre e algum tempo depois, principiam a nascer ao
redor das mudas do Libéria, umas quarenta 'orelhas-de-onça', denominação
dada ao café quando nasce.
Desenvolvendo-se
as 'orelhas-de-onça', observaram os Barrettos, uma diferença entre elas e as
plantas do'Libéria',bem como, com o café "Comum". Tempos
depois,foram as plantinhas separadas e cuidadosamente transplantadas para covas
definitivas. Na primeira floração do 'Libéria', Dr. Luiz Pereira Barretto
verificou tratar-se de café inferior, selvagem, pois era exagerado o tamanho
das flores. Perdida essa florada, na segunda resolveu o grande cientista
provocar a fecundação artificial das flores do Libéria" com as do café
resultante das sementes nascidas nas embalagens e com as do café Comum.
Portanto, feita a delicada operação,assinalou as flores fecundadas e algumas
dessas flores vingaram, e os frutos,quando maduros,foram colhidos, plantados e
convenientemente tratados. Contudo,vingaram cinco pés, apenas.
Eram
plantas lindas, com as características de excelente qualidade, e completamente
diferentes do Libéria e dos demais. Com o produto desses cinco pés,ao cabo de
quatro anos, os Barrettos iniciaram a plantação de regular cafezal de Bourbon,
nome com que foi batizado pelo Dr. Luiz Pereira Barretto, o novo café
obtido,apesar de aconselhado por amigos,para que lhe fosse dado a denominação
de café 'Barretto'. A preferência foi por se lembrar o Dr. Barretto de ter
conhecido nas estufas da Universidade de Bruxelas, uma qualidade de café muito
semelhante aquele, conhecido pelo nome de 'Bourbon'. Daí a história da famosa
variedade conhecida pelo nome de café 'Bourbon'que se destacou pela grande
produção de seus arbustos de
Porém,
um acontecimento que não podemos deixar cair no esquecimento, pela sua real
importância na historiografia da cafeicultura em nosso país, foi o da
"Caravana Pereira Barreto", que no ano de 1876, numa verdadeira expedição
conquistadora saiu da fazenda Monte Alegre, constituída em sua liderança pelo
clã dos Barrettos, homens de recursos, ativos sertanistas e grandes
empreendedores, liderados pelo médico, cientista, e filósofo Dr. Luiz Pereira
Barreto,e por seu irmão José Pereira Barreto, acompanhados pelos outros irmãos:
Cândido Pereira Barretto, Francisco Pereira Barretto, Rodrigo Pereira Barretto
e Miguel Pereira Barretto, juntamente com alguns filhos, sobrinhos, parentes e
amigos...etc, saíram de Resende para procurar em outras regiões, campo mais
produtivo, em vez das constantes tentativas infrutíferas de reanimar os velhos
cafezais, cansados de tanto produzir. Portanto a lendária caravana, capitaneada
por José Pereira Barreto e seus irmãos e mais 60 escravos em carretas e
troles, inicialmente até Cachoeira Paulista, onde era naquela ocasião ponto
terminal da Estrada de Ferro D.Pedro II, depois passando por Jacareí, sempre
margeando o rio Paraíba do Sul, e numa outra etapa, até Casa Branca em viagem
áspera e longa, cruzando a Serra da Mantiqueira
O
fluminense e resendense Luiz Pereira Barreto, foi o introdutor do café Bourbon,
no 'Oeste' paulista, que como todos sabemos, foi o elemento principal, e a causa
primordial do grande desenvolvimento e progresso de São Paulo no cenário
brasileiro.
Em
1937 o Setor de Genética do 'Instituto Agronômico de Campinas' enviou seus técnicos
a Resende para pesquisas e estudos sobre a genética dos cafeeiros, investigações
sobre toxonomia das nossas variedades de café , procurando também estabelecer
o histórico de cada uma delas para determinar a sua origem, data de introdução...etc.
Chegando
em Resende, procuraram o Sr. Alfredo Sodré que gentilmente prestou importantes
informações sobre a cultura cafeeira na região e indicou aos técnicos do
IAC, o caminho para que eles chegassem a Fazenda Monte Alegre no distrito da
Vargem Grande.
Em
visita a referida fazenda, constataram o desaparecimento dos cafezais, e a
substituição deles pela cana de açúcar e pastagens. No entanto, ainda se
depararam com vestígios do trabalho de Luiz Pereira Barretto, encontrando
cafeeiros esparsos entre árvores frutíferas, tais como: diversos typicos
'Nacional' de brotos bronze escuro; cerca de
Este
relato foi feito pelo Dr.Carlos Arnaldo Krug, Chefe da Secção de Genética do
Instituto Agronômico de Campinas numa matéria intitulada :'Luiz Pereira
Barreto e o Café Bourbon' publicada em 15 de outubro de 1937 no jornal "O
Estado de São Paulo".
Com
a intensa propaganda que então fizeram em prol da 'terra roxa' do Oeste
Paulista, provocaram autêntico êxodo, especialmente nos municípios de
Resende, Barra Mansa, Areias, Silveira e outros do Vale do Paraíba, (paulista e
fluminense). A somatória desses fatores marcou o período sombrio da decadência
dos fazendeiros de Resende e região limítrofe, que viram vicejar enormes
cafezais e sentindo-se desamparados e desesperançosos de um ressurgimento,
vendiam as fazendas desvalorizadas por preços ínfimos e irrisórios, apesar do
aspecto visual de suas grandezas do passado. Constrangedora situação, que só
foi superada, em parte, com a vinda dos mineiros que compraram estas fazendas
desvalorizadas e implantaram a pecuária leiteira no município e em todo o Vale
do Paraíba.
Para
um melhor entendimento do que foi o êxodo dos cafeicultores resendenses para o
"Oeste" paulista, vamos transcrever trecho do livro de Renato Jardim,
"Reminiscências":
"..A
esse tempo já ia mal a lavoura cafezista na região; terras gastas, mal
amanhadas, à moda do serviço escravo e cafeeiros envelhecidos, de reduzida
produção.
Ocorria,
além disso, sugestiva circunstância então vigente lei hipotecária: liberava
esta o devedor de ônus contraídos, se entregue o objeto hipotecado.
Lavradores
em massa retiravam a escravatura, abandonavam a querida da gleba e bandeirantes
em retorno, iam agora tomar lugar entre os devassadores do sertão, criadores da
grande lavoura de café da afortunada região das terras roxas encaroçadas.
Outros vendiam suas fazendas, e com suas famílias, às vezes de composição
numerosa, imitavam-nos.
Despovoaram-se,
Resende, Barra Mansa, Queluz, S. José do Barreiro, Silveira, Bananal e terras
adjacentes; Resende, sobretudo.
Grande,
como natural, era o prestígio do Dr. Pereira Barreto junto a sua grei,quando
pela imprensa, dava ele conta das suas impressões sobre as terras roxas que
visitara, sobre a rara fertilidade delas, sobretudo para a cultura do café, foi
o começo do êxodo por parte dos cafeicultores daquele recanto a sudeste da
Mantiqueira, onde, como, aliás, algures, ecoava forte a voz do ilustre patrício.
Emigrar para a afortunada região paulista foi delírio coletivo.
Não
só migrava o lavrador, e sim toda gente: artífices de todo o gênero,
pedreiros, carpinteiros, marceneiros, negociantes, industriais, médicos, farmacêuticos,
agrimensores e quantos buscavam campo remunerado para sua atividade..."
Ainda
não estavam terminados os funerais da grande lavoura cafeeira fluminense, e
começou a segunda descida dos mineiros. Antes, quando o vale era uma imensa
floresta, vieram eles para a exploração do café, desiludidos da garimpagem do
ouro e do diamante; agora, seria para aproveitar na 'bacia das almas', a aquisição
de boas terras, cansadas embora, mas próprias para a criação de gado, exploração
dos laticínios, às portas da Capital Federal, então...!
Hoje,
Pedra Selada é um distrito que dispõe de grande número de laticínios,
produzindo, manteiga, queijo, alguns cereais e tubérculos, além de razoável
produção leiteira.
As
grandes fazendas de café, providas de excelente maquinário de amplos terreiros
de pedra cal, de vastas senzalas, desapareceram do cenário, por completo. Caíram
as 'Casas Grandes', com a transformação das lavouras de café para centros de
pastoreio de gado, pois a ruína e a destruição de muitas delas, foram
exigidas por esta última exploração, do gado, sendo assim necessárias
extensas glebas,impondo-se a necessidade de incorporação de duas ou mais
fazendas em uma só,ficando inúteis os casarios das que se unificavam Eram então
abandonadas ou destruídas para o aproveitamento de pastos.
As
lavouras cafeeiras atingiram o maior desenvolvimento, até a década de 1860 /
70, depois Resende e região, sofreram um colapso angustiante, uma fulminação
de desorganização do trabalho agrário, com fazendas abandonadas devido ao
desgaste e a esterilidade das terras, cansadas de tanto produzir. Os caprichos
da natureza reservaram aos fazendeiros a queda da opulência que se desfez como
um sonho, que se dissipou como uma miragem...
A
Escravidão e o Café eram os dois poderosos fatores vitalizantes de todas as
regiões produtoras e a eliminação de um e a decadência progressiva do
outro,determinaram o desalento que arruinou as fazendas do Vale do Paraíba, que
torturou municípios e entristeceu cidades....
Monteiro
Lobato quando ocupava o cargo de promotor público em Areias-SP (1906), cidade
limítrofe com Resende, espantado com a decadência econômica da região,
escreveu seu primeiro livro denominado : "Cidades Mortas".
Há
uma correspondência, inequívoca, entre a força da província fluminense com o
seu poderio econômico, alicerçado no café, e a força do Império dos Braganças,
pois, enquanto a província foi poderosa o Império brilhou e quando a província
enfraquece o Império acaba.
Não
tinha esse, o fluminense, nem o orgulho do paulista, nem o democratismo do
mineiro. Era mais fino, mais polido, mais socialmente culto pela proximidade,
convívio e hegemonia da Corte, cuja ação o absorve. O polimento urbano lhe
corrigiu a rusticidade e pela finura, pelo senso do meio-termo, acabou por
desempenhar, no Sul, o papel dos atenienses da política e das letras.
A
fazenda de café fora indispensável àquele resultado de elegância espiritual
e polimento urbano. Dos meados dos oitocentos, sobressaem já os proprietários
enriquecidos pela lavoura cafeeira. Eram palacetes cercados por jardins, prados
à entrada, com pequenos lagos com renques de palmeiras imperiais soberbas que
conduziam os visitantes à porta do solar Oliveira Viana
Bibliografia:
O Vale do Paraíba, Eloy de Andrade ( Real Rio Gráfica e Editora Ltda /RJ- 1989)
" Luiz Pereira Barretto e o Café Bourbon" ("O Estado de São Paulo"-15/10/1937)
C.A.Krug / Instituto Agronômico de Campinas