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Manifesto de Bernardo Pereira de Vasconcelos
sobre a maioridade de D. Pedro II (28 jul. 1840)
Exposição
do Sr. Bernardo Pereira de Vasconcellos, ex-Ministro do Império, sobre os memoráveis
acontecimentos ocorridos ultimamente nesta Corte.
Bernardo
Pereira de Vasconcellos julga dever explicar ao público o seu Procedimento no
curto período de 9 horas do dia 22 do corrente mês, em que foi ministro e
secretário de estado dos negócios do Império.
São
hoje sabidas dos habitantes desta capital, e sê-lo-ão em breve dos de todo o
Império, as melancólicas ocorrências dos dias anteriores ao referido 22 de
Julho, por ocasião de se ocupar a Câmara dos Deputados da questão do
suprimento de idade de S.M.I., a fim de que o mesmo augusto senhor entrasse
imediatamente no exercício de sua autoridade constitucional. É incontroverso
que a medida de antecipar a maioridade de S.M.I. não tinha maioria de votos nem
na Câmara dos Senadores, nem na dos Deputados, posto que àqueles mesmos que a
impugnavam não faltassem ardentes e sinceros desejos de vê-la realizada, sem
ofensa dos princípios constitucionais: este fato não era desconhecido dos que
conceberam este ano a idéia de investir o jovem Imperador da sua autoridade. No
Senado fora um tal projeto o rejeitado, bem que ninguém o impugnasse na discussão
e houvesse quem o sustentasse. Esta decisão da Câmara vitalícia nenhuma
impressão produziu no espírito público, sendo manifesto que nem os habitantes
da Corte, nem os qualquer outra província se haviam até então pronunciado a
favor da medida. Todavia, não desacordaram alguns deputados do triunfo da sua
idéia, continuaram a insistir em que o Imperador fosse declarado maior por uma
lei ordinária; e, dado que não poucos se dispusessem a votar favor dela, uma
vez que fosse acompanhada de garantias para a Nação e para o Trono, crescia
este empenho à medida que se observava mais tendência para a sua realização.
No
meio do debate desta transcedente matéria, debate que devera ser notável pela
prudência, sisudez e gravidade que o devia presidir, apareceram sintomas de coação
da Câmara dos Deputados. Os que admitiam a idéia com modificações viram-se
expostos a insultos e perigos, se não guardassem silêncio. Para prova deste
fato, ofereço o Jornal do Commercio, de n.º 188 a 193. Invoco, além disso, o
testemunho dos deputados e espectadores imparciais; deponham eles se, além do
que tem chegado ao conhecimento do público, não tiveram alguns dignos
representantes do País, e principalmente os ministros da coroa, de sofrer
vergonhosos insultos e ameaças. Pessoas do povo, reunidas em grande números,
invadiram o Paço da Câmara, rodeavam os deputados dentro da própria sala das
sessões, tomavam parte nos debatas, aplaudindo estrondosamente os oradores de
um lado e sufocando a voz de outros com gritos aterradores, em uma palavra,
quase que havia de todo desaparecido a distinção entre as galerias e os
legisladores: a população pacífica e industriosa, que ao princípio esperava
tranqüila a solução que os poderes supremos do estado houvessem de dar à
questão da maioridade, começava a afligir-se à vista de cenas tão desagradáveis
representadas naquele mesmo recinto, donde somente deveriam partir exemplos de
ordem e de obediência às leis; e o governo via-se na impossibilidade de fazer
cessar, pelos meios ao seu alcance, semelhante estado de coisas, não desejando
que ainda levemente se lhe atribuísse o intento de coagir os legisladores.
Nunca
fui considerado infenso ao governo de S.M.I. o Senhor D. Pedro II; tendo até em
outra época desejado a regência da augusta princesa Imperial a senhora D. Januária,
desejo este que nunca excedeu os limites de um pensamento, e que me custou as
mais acerbas injúrias e calúnias, havendo mesmo quem, nas discussões da
assembléia provincial de Minas Gerais, me indigitasse como conspirador contra o
regente do ato adicional, imprecando a minha morte.
Confesso
ingenuamente que o meu aferro à monarquia e o exemplo da dispensa de idade da
Senhora D. Maria II, Rainha de Portugal, foram os únicos elementos de minha
convicção, sem que então fizessem peso no meu espírito mui valiosas
considerações, que se podiam opor a uma tal medida. Ainda hoje não hesitarei
em dar o meu voto para o suprimento de idade de um príncipe, debaixo de razoáveis
condições de segurança; ainda hoje votaria pela maioridade do Senhor D. Pedro
II, mas com limitações e com suficientes garantias para o Trono e para o País;
pois que os acontecimentos mesmo do reinado da Senhora D. Maria II têm feito em
mim a mais profunda impressão.
Deixara
o Senhor D. Pedro, Duque de Bragança, organizado o País, e nos primeiros
empregos do estado os portugueses mais esclarecidos, mais traquejados no meneio
dos negócios públicos, carregados de prestantes serviços à pátria, e os
bravos generais que tanto haviam contribuído para a queda da usurpação e
reconquista da perdida liberdade. Este governo, que prometia larga duração,
tanto pela sua solidez como pelas imortais reminiscências que despertava, durou
apenas dois anos; não era passado este prazo quando rompeu uma revolta, que
rasgou a Carta Constitucional e violentou a jovem rainha a assinar com seu próprio
punho a condenação do mais importante título de glória de seu augusto pai; e
lá está Portugal remoinhando entre a anarquia e as tentativas de um governo
regular!
Diversas
são, e para pior, as circunstâncias do Brasil: nossas instituições não estão
completas, faltam-nos muitas leis importantes, algumas das existentes exigem
consideráveis reformas, e muito há que vivemos sob o governo fraco de regências.
Falta-nos um conselho de estado, não temos eminências sociais, ou por pobreza
nossa, ou porque a inveja e as facções tenham caprichado em nivelar tudo.
Neste estado de coisas não aclamara eu por meu voto o Senhor D. Pedro II maior
desde já, sem que o armássemos de todos os meios necessários para ser feliz o
seu reinado, bem que hoje me considere na mais explícita obrigação de envidar
todas as minhas forças, a fim de que os resultados não justifiquem um dia as
minhas tristes apreensões e as de meus ilustres colegas pertencentes a essa
patriótica maioria de 19 de setembro.
Chamado
pelo Regente, no citado dia 22 do corrente mês, para me encarregar da repartição
dos negócios do Império, não hesitei um só momento à vista do perigo, tendo
por colegas cidadãos tão honrados, alguns dos quais pertenciam a essa maioria:
não desconheci a crise em que estava o Brasil; afligiam-me sobretudo os perigos
que ameaçavam o Trono, produzidos pela precipitação e insólita maneira de
discutir; tolerada na Câmara dos Deputados. Meus colegas e eu, unânimes em
sentimentos, propusemos ao Regente, em nome do Imperador, o adiamento da Assembléia
Geral, para a qual estávamos expressamente autorizados pela Constituição da
monarquia, e nunca me pareceu o Regente mais brasileiro e mais digno do seu alto
posto do que subscrevendo o seguinte decreto:
"O
Regente, em nome do Imperador o Sr. D. Pedro II, tomando em consideração a
exposição que, pelos ministros e secretários de estado das diferentes repartições,
lhe foi feita, acerca do estado de perturbação em que atualmente se acha a Câmara
dos Deputados, e atendendo a que a questão de maioridade de S.M.I., que nela se
agita, pela sua gravidade e pela alta posição e importância da augusta pessoa
a que é relativa, somente pode e deve ser tratada com madura reflexão e tranqüilidade:
há por bem, usando da atribuição que lhe confere o art. 101, § 5.º da
Constituição do Império, adiar a Assembléia Geral para o dia 20 de novembro
do corrente ano. Bernardo Pereira de Vasconcellos, Senador do Império, Ministro
e Secretário de Estado dos Negócios do Império, o tenha assim entendido e faça
executar.
"Palácio
do Rio de Janeiro, 22 de julho de 1840, décimo nono da Independência e do Império.
- Pedro de Araújo Lima - Bernardo Pereira de Vasconcellos."
No
Senado não se consentiu que fosse lido este decreto; e permita Deus que o seu
nobre Presidente, o Sr. Marquês de Paranaguá, ainda um dia não tenha de
arrepender-se da maneira por que se houve neste transcendente negócio! - Na Câmara
dos Deputados apareceram gritos, ameaças e provocações, que nem se
compadeciam com a Constituição, nem com o regimento da Casa. Acusaram-me de
caluniador, de traidor e de inimigo do Sr. D. Pedro II. Protestaram contra este
ato como emanado de um governo ilegal, intruso e usurpador; mas, enfim,
obedecendo-lhe, pouparam ao governo o dissabor de recorrer a providências
adaptadas para a sua execução.
-
Caluniei a Câmara, dizem os meus adversários, porque aí reinava a mais
perfeita tranqüilidade, e não havia alteração alguma na capital. - Peço aos
leitores que confrontem o decreto de adiamento com esta increpação, e
convencer-se-ão de que nele se não asseverava que o povo da capital estava
agitado e menos amotinado. Limitou-se a exprimir a desordem das discussões na Câmara
dos Deputados, desordem que parecia apropriada para tornar odiosa a santa causa
que ai se pleiteava. Digam-no os espectadores imparciais, diga-o o Jornal do
Commercio de 23 do corrente mês. Inexplicável contradição! Ao mesmo tempo
que se me acusava de caluniador à Câmara, de conspirar contra o Brasil e o
Trono, estrondavam na casa os brados horríveis dos tribunos da plebe, e a
ilustrada maioria, reprovando com mudo silêncio tanto desatino, só fazia votos
para que a Divina Providência salvasse o jovem Príncipe, para que não fosse
ele mais uma vítima inocente oferecida nos altares da demagogia.
Era
eu o traidor e o conspirador, observando religiosamente, a lei, e meus
desvairados acusadores eram fiéis à Constituição do Estado, almejavam a
tranqüilidade pública, quando discutiam e atacavam o ato do poder moderador
que adiava as Câmaras, quando proclamavam ilegal, intruso e usurpador um
governo que tinha até então reconhecido, dado que um outro, nestes últimos
dias, alguma vez falasse por incidente sobre a sua legalidade?! (*)
Conspirava
eu adiando as Câmaras como aconselhava a crise em que nos víamos, como
permitia a Constituição do estado, e eram fiéis ao seu dever aqueles
representantes da Nação que, tendo obedecido ao decreto do adiamento, foram ao
Paço do Senado fazer parte de uma reunião Popular (**) onde deliberações se
tomaram sobre a própria existência do governo, forcejando por dar o caráter
de revolução a esse ato de adiamento, que, apesar de tudo, é e sempre foi
considerado como ordinário?
Conspiraria
eu cumprindo fielmente as leis na qualidade de ministro da Coroa, e meus
inimigos irrepreensíveis, bem que as infringissem por um modo tão extraordinário,
como eles mesmo não puderam negar?
Depois
de expedido o decreto de adiamento, partiu o Regente para S. Cristóvão, a fim
de participar a S.M. o Imperador o passo que dera, e declarar-lhe qual a intenção
do governo, que não foi outra senão preparar devidamente as coisas para que,
ainda no corrente ano, fosse proclamada a maioridade de S.M., não como uma
medida arrancada pelo desencadeamento das paixões, e ditada revolucionariamente
por um partido em maioria desde 1836 até hoje, mas com aquela solenidade, prudência
e sisudez que devem acompanhar um tão grande ato nacional. O Regente voltou,
tendo sido benignamente acolhido por S.M. o Imperador e merecido o seu
assentimento.
Ao
meio-dia, constou ao ministério, reunido em casa do Regente, que o comandante
das armas, Francisco de Paula Vasconcellos, estava de acordo com a reunião no
Senado; que o comandante dos estudantes da academia militar havia marchado com
eles armados para aquele ponto, e que uma deputação, composta de senadores e
deputados, se dirigia a S. Cristóvão para obter de S.M. o Imperador a sua
aquiescência à proclamação de sua maioridade. Era indispensável ao governo
procurar também saber qual a definitiva resolução do mesmo augusto senhor, à
vista da face que as coisas acabavam de tomar, e para isso voltou o Regente ao
Paço Imperial. S.M. se dignou declarar que queria tomar já as rédeas do
governo, e que a Assembléia Geral fosse convocada para o dia seguinte.
Conhecida assim a vontade de S.M., entendeu o governo que era de seu dever
conformar-se com ela, e os comandantes das forças de que podia dispor,
receberam ordem para se limitarem unicamente àquelas medidas indispensáveis a
fim de fazer com que a segurança individual fosse respeitada.
Apesar
dos escrúpulos que tinham os membros do governo sobre tal medida, de ordem do
Regente, em nome do Imperador, convoquei de novo a Assembléia Geral, no mesmo
dia 22, para o seguinte, à vista da declaração de S.M. E porque era este o último
ato do Regente, e para que o pretexto de achar-me eu no poder não contribuísse
para se consumar uma revolução e ensangüentá-la, consegui do Regente a minha
demissão, durante este meu último ministério de 9 horas somente, 9 horas que
eu reputo as mais honrosas de toda a minha vida pública.
Não
me é dado saber qual será a minha sorte por este acontecimento. O Senhor Antônio
Carlos Ribeiro de Andrada Machado e Silva (hoje ministro do Império) arrojou-se
a ameaçar-me em particular, e aos meus outros colegas em geral, na augusta
presença do Imperador, no momento mesmo em que S.M. acabava de aceitar a difícil
e espinhosa tarefa de dirigir os negócios públicos. Que lição! Que
sentimentos se pretendem inspirar ao coração do inocente monarca! Que prova de
acatamento e respeito à sua sagrada pessoa! À espera dos efeitos da cólera e
vingança do senhor ministro do império, tenho até agora demorado esta minha
breve exposição; mas, já que tardam tanto, força é procurar por este meio
justificar-me perante os brasileiros verdadeiramente amigos da monarquia
constitucional.
Venham
sobre mim todos os males; ainda estou Impenitente. Longe de arrepender-me,
ufano-me do meu procedimento, sujeitando-me ao juízo imparcial dos brasileiros.
Iguais sentimentos (posso com segurança asseverá-lo) compartem os meus
honrados colegas, que nunca hesitaram, nunca abandonaram o seu posto no momento
do perigo. Não posso terminar sem agradecer-lhes, e especialmente ao Exmo. Sr.
Pedro de Araújo Lima, as distintas provas de confiança que me deram em uma
ocasião tão solene.
Rio
de Janeiro, 28 de Julho de 1840. - Bernardo Pereira de Vasconcellos.
*
Cabe notar que neste número não se compreende o Sr. Conde de Lages, que, longe
de acusar no Senado a ilegalidade do Regente, continuou a ser ministro desde o
dia 11 de março até 19 de maio decorrente ano, reservando a sua brilhante
declaração para fazer parte do discurso dirigido em 22 de julho a S. M.I. pela
deputação de que foi membro.
Fonte:
Matéria enviada por:
José Eduardo de
Oliveira Bruno - SP, junho de
2004.
E-mail: jeobruno@uol.com.br e ou/ jeobruno@hotmail.com