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Fala do Trono
Mensagem do Imperador à Assembléia Geral Constituinte e Legislativa (maio 1823)
Dignos representantes da Nação brasileira!
É
hoje o dia maior, que o Brasil tem tido; dia em que ele pela primeira vez começa
a mostrar ao mundo, que é Império livre. Quão grande é meu prazer vendo
juntos representantes de quase todas as províncias fazerem conhecer umas às
outras seus interesses, e sobre eles basearem uma justa e liberal Constituição,
que as reja. Deveríamos já ter gozado de uma representação nacional; mas a
Nação não conhecendo há mais tempo seus verdadeiros interesses, ou
conhecendo-os, e não os podendo patentear, visto a força, o predomínio do
partido português que, sabendo mui bem a que ponto de fraqueza, pequenez e
pobreza, Portugal já estava reduzido, e ao maior grau a que podia chegar de
decadência, nunca quis consentir (sem embargo de proclamar liberdade, temendo a
separação) que os povos do Brasil gozassem de uma representação igual àquela,
que eles então tinham. Enganaram-se nos seus planos conquistadores, e deste
engano nos provém toda a nossa fortuna.
O
Brasil, que por espaço de trezentos e tantos anos sofreu o indigno nome de colônia,
e igualmente todos os males provenientes do sistema destruidor então adotado,
logo que o Senhor D. João VI, Rei de Portugal e Algarves, meu augusto pai o
elevou à categoria de Reino pelo decreto de 16 de dezembro de 1815, exultou de
prazer: Portugal bramiu de raiva, tremeu de medo. O contentamento, que os povos
deste vasto continente mostraram nessa ocasião, foi inaudito; mas atrás desta
medida política não veio, como devia ter vindo, outra, qual era a convocação
de uma assembléia, que organizasse o novo Reino.
O
Brasil, sempre sincero no seu modo de obrar, e mortificado por haver sofrido o
jugo de ferro por tanto tempo antes, e mesmo depois de tal medida,
imediatamente, que em Portugal proclamou a liberdade, o Brasil gritou Constituição
Portuguesa; assentando, que por esta prova que dava de confiança a seus
pseudo-irmãos, seria por eles ajudado a livrar-se dos imensos vermes, que lhe roíam
suas entranhas, não esperando nunca ser enganado.
Os
brasileiros, que verdadeiramente amavam seu país, jamais tiveram a intenção
de se sujeitarem a uma Constituição, que todos não tivessem parte, e cujas
vistas eram, de os converter repentinamente de homens livres, em vis escravos.
Contudo, os obstáculos, que antes de 26 de abril de 1821 se opunham à
liberdade brasileira, e que depois continuaram a existir sustentados pela tropa
européia, fizeram com que estes povos, temendo que não pudessem gozar de uma
assembléia sua, fossem pelo amor da liberdade, arrastados a seguir as infames
cortes de Portugal; para ver se fazendo tais sacrifícios, poderiam deixar de
ser insultados pelo seu partido demagógico, que predominava neste hemisfério.
Nada
disto valeu: fomos maltratados pela tropa européia de tal modo, que eu fui
obrigado a fazê-la passar à outra banda do rio, pô-la em sítio, mandá-la
embarcar, e sair barra-fora, para salvar a honra do Brasil, e podermos gozar
daquela liberdade, que devíamos, e queríamos ter, para a qual debalde
trabalharíamos por possuí-la, se entre nós consentíssemos um partido heterogêneo
à verdadeira causa.
Ainda
bem não estávamos livres destes inimigos, quando poucos dias depois aportou
outra expedição, que de Lisboa nos era enviada para nos proteger; eu tomei
sobre mim proteger este Império, e não a recebi. Pernambuco fez o mesmo, e a
Bahia, que foi a primeira em aderir a Portugal, em prêmio da sua boa fé, o de
ter conhecido tarde qual era o verdadeiro trilho, que devia seguir, sofre hoje
crua guerra dos vândalos, e sua cidade só por eles ocupada, esta a ponto de
ser arrasada, quando nela se possam manter.
Eis
em suma a liberdade, que Portugal apetecia dar ao Brasil; ela se convertia para
nós em escravidão, e faria a nossa ruína total, se continuássemos a executar
suas ordens, o que aconteceria, a não serem os heróicos esforços, que por
meio de representações fizeram primeiro que todos, a junta do governo de São
Paulo, depois a câmara desta capital, e após destas, todas as mais juntas de
governos, e câmaras, implorando a minha ficada. Parece-me, que o Brasil seria
desgraçado, se eu as não atendesse, como atendi, bem sei, que este era meu
dever, ainda que expusesse minha vida; mas como era em defesa deste Império,
estava pronto, assim como hoje, e sempre se for preciso.
Mal
tinha acabado de proferir estas palavras: como é para bem de todos, e
felicidade geral da Nação diga ao povo, que fico; recomendando-lhe ao mesmo
tempo, união e tranqüilidade, comecei imediatamente a tratar de nos pormos em
estado de sofrer os ataques de nossos inimigos, até aquela época encobertos,
depois desmascarados uns entre nós existentes, outros nas democrativas cortes
portuguesas; providenciando por todas as secretarias especialmente pela do Império,
e Negócios Estrangeiros as medidas, que dita a prudência, que eu cale agora,
para vos serem participadas pelos diferentes secretários de estado em tempo
conveniente.
As
circunstâncias do tesouro público eram as piores, pelo estado a que ficou
reduzido, e mui principalmente, porque até quatro ou cinco meses foi somente
provincial. Visto isto, não era possível repartir o dinheiro, para tudo quanto
era necessário, por ser pouco, para se pagar a credores, a empregados em
efetivo serviço, e para sustentação da minha casa, que despendia uma quarta
parte da de El-Reí, meu augusto pai. A dele excedia quatro milhões, e a minha
não chegava a um. Apesar da diminuição ser tão considerável, assim mesmo eu
não estava contente, quando via, que a despesa, que fazia, era mui
desproporcionada à receita, a que o tesouro estava reduzido, e por isso me
limitei a viver como um simples particular, percebendo tão-somente a quantia de
110:000$000 para todas as despesas da minha casa excetuando a mesada da
Imperatriz, minha muito amada e prezada esposa, que lhe era dada em conseqüência
de ajustes de casamento.
Não
satisfeito com fazer só estas pequenas economias na minha casa, por onde
comecei, vigiava sobre todas as repartições, como era minha obrigação;
querendo modificar também suas despesas, e obstar seus extravios. Sem embargo
de tudo, as rendas não chegavam; mas com pequenas mudanças de indivíduos não
afetos à causa deste Império, e só ao infame partido Português, que
continuamente nos estavam atraiçoando, por outros, que de todo o seu coração
amavam o Brasil, uns por nascimento e princípios, outros por estarem
intimamente convencidos, que a causa era a da razão, consegui (e com quanta glória
o digo), que o banco, que tinha chegado a ponto de ter quase perdido a fé pública,
e estar por momentos a fazer banca-rota, tendo ficado no dia, em que o Senhor D.
João VI saiu à barra, duzentos contos em moeda, única quantia para troco de
suas notas, restabelecesse seu crédito de tal forma, que não passa pela
imaginação a indivíduo algum, que ele um dia possa voltar ao triste estado, a
que o haviam reduzido: que o tesouro público, apesar de suas demasiadas
despesas, as quais deviam pertencer a todas as províncias, e que ele só fazia,
tendo ficado desacreditado, exausto totalmente, adquirisse um crédito tal, que
já soa na Europa, e tanto dinheiro, que a maior parte dos seus credores, que não
eram poucos, nem de pequenas quantias, tenham sido satisfeitos de tal forma, que
suas casas não tenham padecido: que os empregados públicos estejam em dia,
assim como os militares em efetivo serviço: que as mais províncias, que têm
aderido à causa santa, não por força, mas por convicção, que eu amo a justa
liberdade, tenham sido fornecidas de todos os petrechos de guerra para sua
defesa, grande parte deles comprados, e outra dos que existiam nos arsenais. Além
disto, tem sido socorridas com dinheiro, por não chegarem suas rendas para as
despesas que deviam fazer.
Em
suma consegui, que a província rendesse 11 para 12 milhões, sendo o seu
rendimento anterior à saída de meu augusto pai de seis a sete quando muito.
Nestas
despesas extraordinárias entram também fretes de navios das diferentes expedições,
que deste porto regressaram para o de Lisboa, compras de algumas embarcações,
e concertos de outras, pagamento a todos os empregados civis e militares, que em
serviço aqui tem vindo, e aos expulsos das províncias por paixões
particulares e tumultos que nelas têm havido.
Grandes
foram sem dúvida as despesas; mas contudo, ainda não se lançou mão da caixa
dos dons gratuitos e seqüestros das propriedades nos ausentes por opiniões políticas
da caixa do empréstimo, que se contraiu de 400:000$000 para compra de vasos de
guerra, que se faziam urgentemente necessários para defesa deste Império, o
que tudo existe em ser, e da caixa da administração dos diamantes.
Em
todas as administrações se faz sumamente precisa uma grande reforma; mas nesta
da fazenda, ainda muito mais, por ser a principal mola do Estado.
O
exército não tinha nem armamento capaz, nem gente, nem disciplina: de
armamento está pronto perfeitamente, de gente vai-se completando conforme o
permite a população; e de disciplina, em breve chegará ao auge, já sendo em
obediência o mais exemplar do mundo. Por duas vezes tenho mandado socorros à
província da Bahia, um de 240 homens, outro de 735, compondo um batalhão com o
nome de Batalhão do Imperador: o qual em oito dias foi escolhido, se aprontou,
embarcou e partiu.
Além
disto, foram criados um regimento de estrangeiros, e um batalhão de artilharia
de libertos, que em breve estarão completos.
Nos
arsenais do exército tem-se trabalhado com toda a atividade, preparando-se tudo
quanto tem sido preciso para defesa das diferentes províncias, e todas desde a
Paraíba do Norte até Montevidéu, receberam os socorros que pediram.
Todos
os reparos de artilharia das fortalezas desta corte, estavam totalmente
arruinados; hoje acharam-se prontos; imensas obras de que se carecia dentro do
mesmo arsenal se fizeram.
Pelo
que toca a obras militares, repararam-se as muralhas de todas as fortalezas, e
fizeram-se algumas totalmente novas. Construiram-se em diferentes pontos os mais
apropriados para neles se obstar a qualquer desembarque, e mesmo em gargantas de
serras a qualquer passagem do inimigo, no caso de haver desembarcado (o que não
será fácil) entrincheiramentos, fortíns, redutos, abatises e baterias rasas.
Fez-se mais o quartel da Carioca; prepararam-se todos os mais quartéis; está
quase concluído o da praça da Aclamação, e em breve se acabará o que se
mandou fazer para granadeiros.
A
armada constava somente da fragata Piranga então chamada União, mal pronta; da
corveta Liberal só em casco; e de algumas mui pequenas e insignificantes
embarcações.
Hoje
acha-se composta da nau D. Pedro I, fragatas Piranga, Carolina e Niterói;
corvetas Maria da Glória e Liberal prontas; e de uma corveta nas Alagoas, que
em breve aqui aparecerá com o nome de Maceió; dos brigues de guerra Guarani
pronto, Cacique e Caboclo em conserto, diferentes em comissões assim como também
várias escunas.
Espero
seis fragatas de 50 peças prontas de gente, e armamento, e de tudo quanto é
necessário para combate, para cuja compra já mandei ordem. Parece-me que o
custo não excederá muito a 300:000$ segundo o que me foi participado.
Obras
no arsenal da marinha fizeram-se as seguintes: consertaram-se todas as embarcações
que atualmente estão em serviço: fizeram-se barcos, canhoneiras, e muitos
mais, que não enumero por pequenos; mas que contudo somados montam a grande número
e importância.
Pretendo
que este ano no mesmo lugar, em que se não fez por espaço de treze, mais do
que calafetar, tingar e atamancar embarcações, enterrando somas considerabilíssimas
de que o governo podia mui bem dispor com suma utilidade nacional, se ponha a
quilha de uma fragata de 40 peças, que, a não faltarem os cálculos que tenho
feito, as ordens que tenho dado, e as medidas que para isso tenho tomado, espero
seja concluída por todo este ano ou meado do que vem pondo-se-lhe o nome de
Campista.
Quanto
a obras públicas, muitas se tem feito. Pela polícia reedificou-se o palacete
da praça da Aclamação: privou-se esta extensa praça de inundações,
tomando-se um passeio agradável, havendo-se calçado por todos os lados, além
das diferentes travessas, que se vão fazendo para mais embelezá-la.
Consertou-se a maior parte dos aquedutos da Carioca, e Maracanã. Repararam-se
imensas pontes, umas de madeira, outra de pedra; e além disto têm-se feito
muitas totalmente novas; também se consertaram grande parte das estradas.
Apesar
do exposto e de muito mais, em que não toco, seu cofre, que estava em abril de
1821 devedor de 60:000$000, hoje não só não deve, mas tem em ser 60 e tantos
mil cruzados.
Por
diferentes repartições fizeram-se as seguintes obras: aumentou-se muito a
tipografia nacional. Consertou-se grande parte do passeio público. Reparou-se a
casa do museu, enriqueceu-se muito com minerais, e fez-se uma galeria com
excelentes pinturas, umas que se compraram, outras, que havia no tesouro e
outras minhas, que lá mandei colocar.
Tem-se
trabalhado com toda a força no cais da praça do comércio, de modo que está
quase concluído. As calçadas de todas as ruas da cidade foram feitas de novo,
e em breve tempo fez-se esta casa da assembléia, e todas as mais, que a ela estão
juntas, foram prontificadas para este mesmo fim.
Imensas
obras, que não são do toque destas, se tem empreendido, começado e acabado,
que eu omito, para não fazer o discurso nimiamente longo.
Tenho
promovido os estudos públicos, quanto é possível, porém necessita-se para
isso de uma legislação particular. Fez-se o seguinte: comprou-se para
engrandecimento da biblioteca uma grande coleção de livros dos de melhor
escolha, aumentou-se o número das escolas, e algum tanto o ordenado de seus
mestres, permitindo-se, além disto, haver um sem-número delas particulares:
conhecendo a vantagem de ensino mútuo, também fiz abrir uma escola pelo método
lancasteriano.
O
Seminário de São Joaquim, que seus fundadores tinham criado para educação da
mocidade, achei-o servindo de hospital da tropa européia; fi-lo abrir na forma
da sua instituição, e havendo eu concedido à casa da misericórdia, e roda
dos expostos (de que abaixo falarei) uma loteria para melhor se poderem manter
estabelecimentos de tão grande utilidade, determinei ao mesmo tempo que uma
quota parte desta mesma loteria fosse dada ao Seminário de São Joaquim, para
que melhor se pudesse conseguir o útil fim para que fora destinado por seus
honrados fundadores. Acha-se hoje com imensos estudantes.
A
primeira vez, que fui à roda dos expostos, achei (parece impossível) sete
crianças com duas amas; nem berços, nem vestuários. Pedi o mapa, e vi, que em
13 anos tinham entrado perto de 12.000, e apenas tinham vingado 1.000, não
sabendo a misericórdia verdadeiramente, aonde eles se achavam. Agora com a
concessão da loteria, edificou-se uma casa própria para tal estabelecimento,
aonde há trinta e tantos berços, quase tantas amas quantos expostos, e tudo em
muito melhor administração. Todas estas coisas, de que acima acabei de falar,
devem merecer-vos suma consideração.
Depois
de ter arranjado esta província, e dado imensas providências para as outras,
entendi, que devia convocar, e convoquei por decreto de 16 de fevereiro do ano
próximo passado um Conselho de Estado, composto de procuradores gerais, eleitos
pelos povos, desejando, que eles tivessem quem os representasse junto a mim, e
ao mesmo tempo quem me aconselhasse, e me requeresse o que fosse a bem de cada
uma das respectivas províncias. Não foi somente este o fim, e motivo, por que
fiz semelhante convocação, o principal foi, para que os brasileiros melhor
conhecessem a minha constitucionalidade, o quanto eu me lisonjearia governando a
contento dos povos, e quanto desejava em meu paternal coração (escondidamente,
porque o tempo não permitia, que tais idéies se patenteassem de outro modo)
que esta leal, grata, briosa, e heróica nação fosse representada numa assembléia
geral, constituinte, e legislativa, o que, graças a Deus, se efetuou em conseqüência
do decreto de 3 de junho do ano pretérito, a requerimento dos povos, por meio
de suas câmaras, seus procuradores gerais, e meus conselheiros de estado.
Bem
custoso seguramente me tem sido, que o Brasil até agora não gozasse de
representação nacional; e ver-me eu por força de circunstâncias obrigado a
tomar algumas medidas legislativas; elas nunca parecerão, que foram tomadas por
ambição de legislar, arrogando um poder, em o qual somente devo ter parte; mas
sim, que foram tomadas para salvar o Brasil, visto que a assembléia, quanto a
umas não estava convocada, quanto a outras, não estava ainda junta, e residiam
então de fato, e de direito, visto a independência total do Brasil de
Portugal, os três poderes no chefe supremo da Nação, muito mais sendo ele seu
defensor perpétuo.
Embora
algumas medidas parecessem demasiadamente fortes, como o perigo era iminente, os
inimigos, que nos rodeavam imensos (e prouvera a Deus, que entre nós ainda não
existissem tantos), cumpria serem proporcionadas.
Não
me tenho poupado, nem pouparei a trabalho algum, por maior que Seja, contanto
que dele provenha um ceitil de felicidade para a nação.
Quando
os povos da rica e majestosa província de Minas estavam sofrendo o férreo jugo
do seu deslumbrado governo,que a seu arbítrio dispunha dela, e obrigava seus
pacíficos, e mansos habitantes a desobedecerem-me, marchei para lá com os meus
criados somente, convenci o governo, e seus sequazes do crime, que tinham
perpetrado, e do erro, em que pareciam querer persistir; perdoei-lhes, porque o
crime era mais em ofensa a mim, do que mesmo à Nação, por estarmos ainda
naquele tempo unidos a Portugal.
Quando
em São Paulo surgiu dentre o brioso povo daquela agradável e encantadora província,
um partido de portugueses, e brasileiros degenerados, totalmente afetos às
cortes do desgraçado e encanecido Portugal, parti imediatamente para a província,
entrei sem receio, porque conheço, que todo o povo me ama, dei as providências,
que me pareceram convenientes, a ponto, que a nossa independência lá foi
primeiro, que em parte alguma proclamada no sempre memorável sítio da Piranga.
Foi
na pátria do fidelíssimo, e nunca assaz louvado Amador Bueno de Ribeira aonde
pela primeira vez fui aclamado Imperador.
Grande
tem sido seguramente o sentimento, que enluta minha alma, por não poder ir à
Bahia, como já quis, e não executei, cedendo às representações de meu
Conselho de Estado, misturar meu sangue com o daqueles guerreiros que tão
denodadamente têm pelejado pela Pátria.
A
todo o custo, até arriscando a vida, se preciso for, desempenharei o título,
com que os povos deste vasto, e rico continente em 13 de maio do ano pretérito,
me honraram de Defensor Perpétuo do Brasil. Este título penhorou muito mais
meu coração do que quanta glória alcancei - com a espontânea, e unânime
aclamação de Imperador deste invejado Império.
Graças
sejam dadas à providência, que vemos hoje a Nação representada, e
representada por tão dignos deputados. Oxalá, que há mais tempo pudesse ter
sido; mas as circunstâncias anteriores ao decreto de 3 de junho não o
permitiam, assim como depois as grandes distâncias, a falta de amor da pátria
em alguns, e todos aqueles incômodos, que em longas viagens se sofrem,
principalmente em um País tão novo, e extenso, como o Brasil; são quem tem
retardado esta apetecida, e necessária junção, apesar de todas as recomendações,
que fiz de brevidade por diferentes vezes.
Afinal
raiou o grande dia para este vasto Império, que fará época na sua história.
Está junta a assembléia para constituir a Nação. Que prazer! Que fortuna
para todos nós!
Como
Imperador Constitucional, e muito especialmente como defensor perpetuo deste Império,
disse ao povo no dia 1.º de dezembro do ano próximo passado, em que fui
coroado e sagrado, que com a minha espada defenderia a Pátria, a Nação, e a
Constituição, se fosse digna do Brasil e de mim. Retifico hoje muito
solenemente perante vos esta promessa, e espero, que me ajudeis a desempenhá-la,
fazendo uma Constituição sábia, justa, adequada e executável, ditada pela
razão, e não pelo capricho, que tenha em vista somente a felicidade geral, que
nunca pode ser grande, sem que esta Constituição tenha bases sólidas, bases
que a sabedoria dos séculos tenha mostrado, que são as verdadeiras para darem
uma justa liberdade aos povos, e toda a força necessária ao poder executivo.
Uma Constituição, em que os três poderes sejam bem divididos de forma, que não
possam arrogar direitos, que lhe não compitam, mas que sejam de tal modo
organizados, e harmonizados, que se lhes torne impossível, ainda pelo decurso
do tempo, fazerem-se inimigos, e cada vez mais concorram de mãos dadas para a
felicidade geral do Estado. Afinal uma Constituição que, pondo barreiras
inacessíveis ao despotismo, quer real, quer democrativo, afugente a anarquia, e
plante a árvore daquela liberdade, a cuja sombra deve crescer a união, tranqüilidade,
e independência deste Império, que será o assombro do mundo novo e velho.
Todas
as constituições, que, à, maneira das de 1791 e 92, têm estabelecido suas
bases, e se têm querido organizar, a experiência nos tem mostrado, que são
totalmente teoréticas, e metafísicas, e por isso inexeqüíveis, assim o prova
a França, Espanha; e ultimamente Portugal. Elas não têm feito, como deviam, a
felicidade geral; mas sim, depois de uma licenciosa liberdade, vemos, que em uns
países já apareceu, e em outros ainda não tarda a aparecer o despotismo em
um, depois de ter sido exercitado por muitos, sendo conseqüência necessária
ficarem os povos reduzidos à triste situação de presenciarem e sofrerem todos
os horrores da anarquia.
Longe
de nós tão melancólicas recordações: elas enlutariam a alegria e júbilo,
de tão fausto dia. Vós não as ignorais, e eu certo, que a firmeza nos
verdadeiros princípios constitucionais, que têm sido sancionados pela experiência,
caracteriza cada um dos deputados, que compõem esta ilustre assembléia,
espero, que a constituição que façais, mereça a minha Imperial aceitação,
seja tão sábia, e tão justa, quanto apropriada à localidade e civilização
do povo brasileiro; igualmente, que haja de ser louvada por todas as nações;
que até os nossos inimigos venham a imitar a santidade e sabedoria de seus
princípios, e que por fim a executem.
Uma
assembléia tão ilustrada, e tão patriótica, olhará só a fazer prosperar o
Império, e cobri-lo de felicidade; quererá, que seu Imperador seja respeitado,
não só pela sua, mas pelas mais nações; e que seu defensor o perpétuo,
cumpra exatamente a promessa feita no 1.º de dezembro do ano passado, e
ratificada hoje solenemente perante a Nação legalmente representada.
Imperador
Constitucional e Defensor Perpétuo do Brasil.
Fonte:
Matéria enviada por:
José Eduardo de
Oliveira Bruno - SP, junho de
2004.
E-mail: jeobruno@uol.com.br e ou/ jeobruno@hotmail.com