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Coroação e sagração de D. Pedro II
(18 jul. 1841)
Às
11 horas da manhã do dia 18 de Julho S. M. I. determinou que seguisse o Cortejo
para a Capela Imperial, na forma do programa n.º 2. O Corpo Diplomático
aguardava a passagem e chegada de S. M. I. no passadiço, que comunica o Palácio
com a Capela Imperial. Um quarto de hora depois chegou S. M., tendo ao lado
esquerdo suas Augustas Irmãs, e recebido o cortejo do Corpo Diplomático, ao
qual S. M. se dignou corresponder com a maior afabilidade, despediu-se delas, e
esperou de capacete na mão que passassem todas as senhoras, que formavam o
cortejo de SS. AA. A este tempo já tinha aparecido na varanda o manto do
Fundador do Império e a espada Imperial do Ipiranga, e já as tropas estavam em
continência tocando o hino da independência, cujas recordações tornavam o
ato mais solene. Apenas S.M.I. apareceu na varanda, foi saudado por um viva
entusiástico de topo o povo que se achava na praça, ao qual S. M. se dignou
corresponder; e assim foi saudado até entrar na Capela Imperial.
S.
M. foi recebido à porta da Igreja pelo Exm.º Bispo Capelão-Mor e Cabido, e
descoberto recebeu a aspersão do mesmo Bispo, e, pondo depois na cabeça o
capacete de cavaleiro, dirigiu-se à Capela do Sacramento onde, tirando-o, fez
oração, e repondo-o dirigiu-se aos cancelos, onde foi recebido por uma deputação
de seis Bispos, com seus assistentes, mandada pelo Exm.º Arcebispo
Metropolitano, que em faldistório o esperava no presbitério.
S.
M., saudando esta deputação, tirou o capacete, saudou SS. AA. Irmãs que já
se achavam na tribuna, a cruz e o sagrante; subiu ao Trono, onde se sentou.
Revestidos os seis Bispos, vieram em deputação buscar S. M., que subiu ao
presbitério, levando à direita o Condestável, à deste o Mordomo-Mor, à
deste o Reposteiro-Mor, e à deste o Mestre de Cerimônias da Corte, e à
esquerda o Camarista-mor, à deste o Camarista de semana, à deste o Capitão da
guarda, e à deste o Mestre de Cerimônia do Sólio. Aproximando-se S. M. ao
sagrante, tirou o capacete, fez uma reverência. e o Exm.º Ministro da Fazenda
o recebeu em uma rica salva, que tinha levado a coroa, e o fez colocar na credência.
Sentado
o Imperador em uma rica cadeira fronteira ao sagrante, a qual foi ministrada
pelo Reposteiro-Mor, que a recebeu do Guarda-tapeçarias, ouviu o discurso do
mesmo celebrante, e levantando-se, ajoelhou em uma almofada ministrada pelo
Reposteiro-Mor, e o Exm.º Ministro da Justiça leu a protestação de fé.
Tendo o Exm.º celebrante o missal aberto no seu regaço, S. M. I. pôs ambas as
mãos sobre ele e disse: - Sie me Deus adjuvet, et haec sancta Dei evangelia. -
E fechando o missal, beijou a mão do celebrante. Levantando-se S. M. ajoelhou
segunda vez, o ouviu a oração do celebrante, finda a qual levantando-se foi
ajoelhar ao lado do Evangelho, prostrando-se sobre o genuflexório em duas
almofadas, uma para os joelhos e outra para encostar a cabeça, e ouviu as
ladainhas, versos e duas orações.
Findo
este ato, S. M. levantou-se, aeio para diante do celebrante, e despiu os Colares
do Tosão de Ouro, da Torre e Espada, e de Santo André da Rússia, que foram
recebidos pelo Exm.º Visconde de S. Leopoldo; entregou a espada de cavaleiro ao
Exm.º Ministro da Guerra, e o Camareiro-Mor tirou-lhe o manto de cavaleiro e as
luvas, entregando o primeiro ao Exm.º Visconde de Baependi, e a segunda ao Exm.º
Conde de Valenna. Depostas estas insígnias, foi S. M. I. ungido no pulso do braço
direito, e esta unção foi purificada pelo Exm.º Bispo de Crisópolis com
globos de algodão e micapanis ministrados por um moço fidalgo. S. M. I.
inclinou-se depois sobre o regaço do celebrante, e foi ungido nas espáduas por
uma abertura praticada na veste imperial, e depois de purificada a unção pelo
mesmo Exm.º Bispo, o Exm.º Camareiro-Mor fechou novamente a veste por meio de
colhetes para isto destinados.
Terminadas
as unções, o Mestre de Cerimônias do sólio, conduzindo o Diácono ao altar,
entregou-lhe o manto imperial, este o deu ao celebrante, que o vestiu a S. M.
I., ajudado pelo Camareiro-Mor. O mesmo Mestre de Cerimônias entregou ao Diácono
a murça, este a ofereceu ao celebrante, que revestiu S. M. com ela. Feito isto,
S. M. I. subiu ao Trono, acompanhado pelos quatro Bispos mais antigos, e por
toda a sua comitiva.
Seguiu-se
a Missa até o último verso do gradual exclusive, e então S. M. I., tendo sido
avisado pelo Mestre de Cerimônias da Corte, dirigiu-se ao altar, acompanhado
das pessoas acima mencionadas, e dos quatro Bispos e assistentes para receber as
insígnias imperiais. Chegado defronte do celebrante, e feitas as vênias do
costume, ajoelhou em uma almofada ministrada pelo Reposteiro-Mor. O Diácono foi
então ao altar, trouxe a espada embainhada, e chegando ao pé do celebrante,
desembainhou-a, e dando a bainha ao Ministro da Guerra, que foi chamado para
esse ministério, ofereceu a mesma espada pela extremidade da folha ao Exm.º
celebrante, o qual tomando-a pela mesma extremidade, ofereceu-a a S. M. pelos
copos, dizendo a oração - accipe gladium etc.
Acabada
a oração, o Exm.º celebrante recebeu outra vez, a espada da mão de S. M. I.,
e entregou-a ao Diácono; este deu-a ao Ministro da Guerra que a meteu na
bainha, e tornando a oferecê-la ao Diácono, este apresentou-a de novo ao
celebrante, que a meteu no cinturão de S. M., dizendo as palavras - Accingere
gladium etc. - Finda esta cerimônia, S. M. I. levantouse, e desembanhando a
espada, fez com ela alguns movimentos ou vibrações, e correndo-a pelo braço
esquerdo como quem a limpava, meteu-a na bainha, e tornou a ajoelhar.
O
Exm.º celebrante levantando-se foi ao altar buscar a Coroa Imperial, e chegando
defronte de S. M., lha ofereceu; S. M. pós a Coroa na cabeça, e tanto o
Arcebispo celebrante como os Bispos, pondo a mão direita sobre ela disseram ao
mesmo tempo as palavras - Accipe coronam imperii etc. Depois disto o Diácono
foi ao altar buscar o anel e as luvas cândidas na mesma salva em que estavam, e
ofereceu estas insígnias ao Exm.º celebrante, o qual calçou as luvas em ambas
as mãos a S. M., e lhe meteu o anel no dedo anular da mão direita. O mesmo Diácono
voltou ao altar a buscar o globo Imperial, e ofereceu-o ao celebrante, e este o
ofereceu a S. M., que o entregou ao Exm.º Ministro dos Negócios Estrangeiros.
O Diácono foi novamente ao altar buscar a mão da justiça, e a entregou ao
celebrante; este a ofereceu a S. M., que a entregou ao Exm.º Ministro da Justiça.
Finalmente o Diácono foi ao altar, e trazendo o cetro, ofereceu-o ao
celebrante: este o apresentou a S. M. na mão direita, dizendo as palavras:
Accipe virgam virtutis.
Acabada
esta cerimônia, levantou-se S. M., e acompanhado pelo Exm.º Celebrante à
direita, pelo Exm.º Bispo Capelão-Mor à esquerda, e pelos mais Bispos
assistentes no altar e mais comitivas, subiu ao Trono, sentou-se, e o celebrante
disse as palavras. - Sta. etc.
S.M.I.
conservou-se sentado em todo o tempo do Te Deum, versos e duas orações
cantadas pelo Exm.º Arcebispo, que ficou em pé à sua direita e descoberto, e
em seguimento deles os ministros do altar. No primeiro degrau do Trono, junto ao
Capitão da guarda, estava o Exm.º Ministro da Justiça com a sua insígnia;
adiante o Exm.º Ministro dos Estrangeiros com o globo; o Condestável no seu
lugar, assim como toda a mais comitiva.
Findo
o Te Deum e as orações, seguiu-se a Missa, assistindo S.M.I. ao Evangelho, sem
coroa, e beijou-o no fim no livro apresentado pelo Exm.º Bispo Capelão-Mor.
Acabado
o ofertório, S.M.I., seguido pelas pessoas que já referimos, dos quatro Bispos
mais antigos, do Bispo Esmoler-Mor e do Copeiro-Menor, sustentando na mão
esquerda os dois pães em uma salva, e na direita o círio acesa, subiu ao
altar, e ajoelhando em uma almofada ministrada pelo Reposteiro-Mor, recebeu das
mãos do Bispo Esmoler-Mor, e ofereceu ao celebrante o pão de prata, o de ouro,
e o círio aceso, no qual estavam encrustadas treze peças de 10$ rs.
Acabada
a bênção, o Exm.º Bispo Capelão-Mor concedeu duzentos e quarenta dias de
indulgências aos assistentes, que foram publicadas pelo Cônego Mestre de Cerimônias
do Sólio.
Acabada
a Missa, S. M. I. sentou-se sem coroa para ouvir o sermão, que foi pregado pelo
Reverendíssimo D. Abade Geral dos Bentos, que tomou por tema Sadoc sacerdos ...
unxit Salomonem... Salomon autem sedit super thronum patris sui, et firmatum est
regnum ejus nimis. O Pontífice Sadoc sagrou a Salomão; este tomou posse do
trono de seu pai, e seu reino se firmou em sólidas bases.
Findo
o sermão, o Mestre de Cerimônia da Corte, tendo recebido as ordens de S. M.,
mandou desfilar o cortejo para a varanda, o qual partiu na ordem seguinte:
A
Câmara Municipal e os Juizes de Paz, que se colocaram no pavilhão do Prata; os
indivíduos que vieram em deputações assistir ao ato da Sagração; os membros
dos tribunais da Corte; os titulares; os membros da Assembléia Geral
Legislativa; a Corte, tendo em frente o Rei de Armas, Arauto e Passavante; os
Porteiros da maça e da cana; os moços da câmara; o Porteiro da Imperial Câmara;
os Oficiais da Câmara em exercício; os moços fidalgos; os Grandes do Império,
e os que de Grandeza têm as honras, indo em alas a estes os porta-insígnias.
Logo que o Mestre de Cerimônias da Corte avisou a S.M.I. que o cortejo tinha
desfilado, desfilou o Cabido com as duas cruzes, a arquiepiscopal e a catedrática,
assim como os Bispos e Arcebispo. Feita a oração ao SS. Sacramento, S.M.I., de
coroa e cetro, debaixo do pálio, tendo à direita o condestável, à deste o
Exm.º Ministro da Justiça com a mão alçada, e ÈL deste o Exm.º Ministro
dos Negócios Estrangeiros com o globo imperial, em frente o Alferes-Mor e o
Mestre-de-Cerimônias, e depois o Camareiro-Mor pegando na cauda do manto, o
Capitão da guarda, o Camarista de semana, o Reposteiro-Mor, desceu até a porta
principal da igreja, e, ao sair do adro, foi saudado por entusiásticos vivas da
Imensa população, que, ávida, aguardava a vista do seu Monarca, e S.M.I.
graciosamente agradeceu esta primeira saudação.
Subiu
S. M. ao pavilhão do Prata, onde os Grandes do Império largaram o pálio aos
moços da câmara, que ali lho tinham entregue., e estes aos porteiros que
estavam no mesmo pavilhão. S.M. dirigiu-se à sala do Trono da varanda, e em círculo
formado pela Representação Nacional, pelo Cabido, Grandes do Império, Grandes
Dignitários da Corte, Câmara Municipal, Tribunais, e Oficiais-Mores da Casa,
subiu ao Trono, acompanhando pelo Exm.º Arcebispo Sagrante, fazendo uma reverência
a SS. AA. II., que estavam com todas as Damas na sua respectiva tribuna, e outra
ao Corpo Diplomático, que já se achava na tribuna fronteira, e recebendo a mão
da justiça do Exm.º Ministro respectivo, com ela na esquerda, e com o cetro na
direita, foi saudado pelo Cabido, indo dois a dois até o primeiro degrau do
Trono fazer sua profunda reverência, dizendo - Per multos annos. - Feito Isto
por todos, e pelos Exmos. Bispos e Reverendíssimo Sagrante, desfilou o Cabido
pelo pavilhão do Prata. Imediatamente S. M. I., descendo do Trono, velo
apresentar-se ao seu fiel povo pela maneira seguinte:
O
Condestável tomava a direita do Imperador, à daquele o Exm.º Ministro do Império
com a Constituição na mão, à deste o Exm.º Ministro dos Negócios
Estrangeiros com o globo Imperial, à deste o Exm.º Mordomo-Mor, e à esquerda
de Sua Majestade o Alferes-Mor, os Exm.08 Ministros da Justiça, da Fazenda e da
Guarda. Assim em linha marchou Sua Majestade até em frente às colunas do
grande templo da varanda, e no centro da Representação Nacional, e de todos os
que levamos referidos, mandou ao Mestre-de-Cerimônias da Corte que fizesse
funcionar o Rei de Armas, o qual estava em um degrau próprio, dentro de um maciço
formado por uma seção da guarda de Arqueiros, porteiros da cana e da maça, e
moços da câmara, o pelos charameleiros imperiais. Então o Rei de Armas, alçando
a mão direita, na qual tinha um rico chapéu de plumas, disse em alta voz: -
Ouvide, ouvide, estai atentos! - A este tempo o Exm.º Alferes-Mor saindo da
linha avançou em frente ao peristilo do templo, o desenrolando a bandeira
disse:
Está
sagrado o muito alto e muito poderoso Príncipe o Senhor D. Pedro II por graça
de Deus, e unânime aclamação dos povos. Imperador Constitucional e Defensor
Perpétuo do Brasil. - Viva o Imperador!
O
Alferes-Mor não pôde repetir três vezes, como lhe cumpria, os vivas a S.M.I.,
porque os do Imenso concurso do povo lhe não deram lugar, nem a emoção que
todos possuíam poderia deixar de tocar também o Alferes-Mor. Então S.M.I.
determinou ao Mestre-de-Cerimônias que dissesse ao General que mandasse começar
as descargas, e a lato não ter sido assim, o entusiasmo do imenso concurso do
povo, que era tanto quanto na praça, cabia, não dava lugar a esperar-se ocasião.
S.M.I.
não pôde assistir senão a 1.ª descarga, porque o sol, que estava bastante
forte, lho não permitiu, ainda que o Exm.º Alferes-Mor, com a bandeira, o
garantia de seus raios. O Imperador, fazendo três reverências ao seu povo, uma
à direita, outra ao centro, e outra à esquerda, retirou-se ao Trono entre
vivas e aclamações, e subindo a este sentou-se, colocou a coroa em um bufete
que estava ao lado da cadeira imperial, e sentado recebeu o cortejo de todos
aqueles cidadãos, que estavam no pavilhão do Amazonas, findo o qual
contramarcharam a fazer-lho os que estavam no pavilhão do Prata, e o dos
Representantes da Nação. Logo que todos os que estavam no salão cumpriram
este dever, S.M.I. ordenou que desfilasse a Corte, e, descendo do Trono, saudou
a suas Augustas Irmãs, que estavam na tribuna, e ao Corpo Diplomático, que se
achava na outra fronteira, e retirou-se à sala do Trono do Palácio,
encontrando-se no passadiço com SS. AA. Irmãs, e com elas incorporado, recebeu
ali as Senhoras de distinção, a quem as Janelas do Paço foram oferecidas para
verem a aclamação do seu Monarca.
É
impossível descrever a beleza, que apresentavam estas janelas ornadas todas de
damas ricamente vestidas, que a porfia se disputavam a preferência do
entusiasmo.
Concluída
a felicitação das damas, S.M.I. se dirigiu ao seu aposento pela galeria maior
do Paço, e ordenou que o banquete fosse servido às 6 horas. Um Imenso concurso
de pessoas distintas assistiu ao banquete de S.M.I., que foi servido segundo o
programa (A). Duas ricas bandas de música tocaram durante este festim.
Retirado
o Imperador aos seus aposentos, serviu-se uma mesa de noventa e seis talheres a
todos os funcionários da Corte. As 8 horas da noite, franqueou-se a varanda e o
Paço para serem visitados pelas pessoas decentemente vestidas, que se
apresentassem com este intuito.
Supõe-se
que de doze a quinze mil pessoas os visitaram. As 10 horas da noite anunciou-se
que acabava a visita, e o bom povo que não tinha podido entrar paciente esperou
o dia seguinte. Se o concurso for tanto como na primeira noite, os cinco dias
destinados para tais visitas serão poucos para satisfazer a avidez e
curiosidade pública. Tanto a mesa do banquete como a credência das insígnias
têm estado expostas no novo salão que tem de servir para o Trono.
COROA
CÍVICA QUE A GUARDA NACIONAL DO RIO DE JANEIRO
OFERECEU
AO SENHOR D. PEDRO II NO DIA 19 DE JULHO,
IMEDIATO
AO DA SUA COROAÇÃO
Ontem,
10 de julho, S.M.I. recebeu, na sala em que estão as insígnias Imperiais,
perante toda a Corte, o Comandante Superior da Guarda Nacional, acompanhado dos
Comandantes de Legião e dos Corpos que tiveram a honra de lhe apresentar a
Coroa Cívica, que S.M. se tinha dignado aceitar; e a um discurso recitado pelo
Comandante Superior, S.M. respondeu que agradecia muito o testemunho de
fidelidade que lhe dava a Guarda Nacional do Município da Corte. A Coroa foi
colocada, por ordem de S.M., entre as Insígnias Imperiais.
Passando
S.M. meia hora depois à sala do Trono, recebeu as felicitações do Senado, da
Câmara dos Deputados, do Corpo Diplomático, das Assembléias Legislativas
Provinciais, dos Presidentes de Províncias das Academias e Sociedades Científicas,
das Câmaras Municipais, dos Cabidos, Ordens Religiosas e outras sociedades, e
depois todos os cidadãos que concorreram ao Paço, cujo número excedeu a
seiscentos. Retirou-se a seus aposentos às 4 horas da tarde, e às 7:30 h
honrou com sua presença o Teatro de S. Pedro de Alcântara.
DESCRIÇÃO
DA COROA CÍVICA
A
Coroa Cívica, que a Guarda Nacional da Corte ofereceu a S.M. o Imperador, o
cuja prontificação foi confiada aos Srs. J.J.P. de Faro Filho, Manoel Antônio
Airoza, João Batista Lopes e J.P. Darrigue Faro, compõem-se de dois ramos de
carvalho, feitos de ouro, com os seus competentes frutos, a que dão o nome de
landes. Estes ramas são presos por uma fita de brilhantes em forma de um
perfeito laço; esta fita é rendada com diferentes flores no centro,
formando-lhes debrum recortado, limitando a folha da salsa. No centro do laço
tremula um fiarão. Todo este trabalho é transparente, feito de brilhantes
cravados a filete, com grampas nos lugares competentes. As duas pontas das fitas
trabalham sobre dois cilindros de ouro, por onde passam duas molas que lhes
imprimem o movimento logo que sofre o mais pequeno abalo. A fita prende os dois
ramos que unidos formam a coroa, brotando de cada um deles quatro ramos mais
pequenos de quatro folhas. Do tronco rebentam seis hastes com três folhinhas
lavradas de cada uma das quais pendem três frutos com seus cazulos de
brilhantes, abertos transparentemente. Esta peça tem de ouro de lei 1 marco 28
oitavas, e contém de brilhantes de diferentes tamanhos 114 quilates.
Está
posta em uma caixa de feitio oitavado, forrada por dentro de veludo carmesim,
com as armas do Império gravadas no centro, e por fora forrada de marroquim
verde, com diferentes lavrados de ouro, contendo no centro o seguinte letreiro
em letras douradas: A S.M.I. o Senhor D. Pedro II oferece a Guarda Nacional do
Município da Corte, 18 de julho de 1841.
A
Coroa é feita pelo artista Fortunato Rodrigues da Silva, Guarda Nacional, e a
caixa é obra de M. Duplanil.
DESCRIÇÃO
DA VARANDA DO PAÇO, QUE SERVIU PARA O
MAJESTOSO
ATO DA COROAÇÃO DO SENHOR
D.
PEDRO II
A
varanda Imperial, que o Governo mandou construir para a coroação do Sr. D.
Pedro II, ocupa uma superfície de quase quatorze mil palmos quadrados.
Este
monumento provisório difere em tudo daquele que foi construído no Rio de
Janeiro para a coroação del'Rei D. João VI em 1818; quádrupla mão-de-obra,
tríplice riqueza, brevidade na execução, e a quarta parte do custo, sem a
potente mão de um governo absoluto, provam que a civilização no Brasil tem
feito grandes progressos.
O
diretor, arquiteto e pintor da obra foi o Sr. Araújo Porto Alegre; o mestre
carpinteiro, o falecido Serafim dos Anjos, cuja inteligência, probidade e
atividade lhe granjearam a afeição do Exm.º Mordomo do Paço, de quem recebeu
as maiores provas de estima e consideração.
Esta
grande obra foi executada no espaço de sete meses, e principiaremos a descrevê-la
pelo seu externo antes de passarmos ao Interior.
Do
adro da Capela Imperial ao passadiço se estende a varanda, tendo de extensão
trezentos e dez palmos; uma escada de quarenta e dois palmos, ornada de quatro
soberbos leões, dá ingresso ao pavilhão do Amazonas; mas o que fere mais a
vista é o templo do centro, cujo peristilo é de seis colunas coríntias de
trinta palmos de altura, bem digno de ser imitado nos monumentos públicos desta
Capital.
O
templo, desde a base até a cabeça do gênio do Brasil tem noventa e seis
palmos de alto. Uma escada de cinqüenta palmos de largo desce do peristilo à
praça; no alto tem um corpo saliente semicircular onde aparece S.M.I., e na
base tem duas estátuas colossais representando a Justiça e a sabedoria,
atributos do trono.
O
fastígio do templo tem um baixo-relevo representando as Armas Imperiais, e no
friso a seguinte inscrição: - Deus protege o Imperador e o Brasil. - o ático
é coroado por uma quadriga, em cujo carro triunfante está o Gênio do Brasil,
tendo ria mão esquerda as rédeas dos ginetes, e na direita o cetro Imperial.
Da
parte do Norte, e num gradim inferior, está a estátua do rio Amazonas,
sentada, com os atributos que lhe são próprios, assim como na esquerda a do
rio da Prata.
As
estátuas, os rios e os capitéis coríntios são de uma rara perfeição o de
um ultra-acabado, que atestam o talento e a presteza do Sr. Marcos Ferrez.
As
galerias laterais que se ligam aos pavilhões são da ordem dórica: nota-se
nelas a perfeição das bases e capitéis, e a fineza de contornos no
entablamento.
O
ático que as coroas, decorado de ornatos de bronze e de palmetas nas pilastras,
é acabado por um renque de trípodas, onde a mão-de-obra ainda brilha pelo
acabado dos ornatos e das pinhas que fazem o pingete do globo que serve de
perfumador.
Grandes
baixos-relevos servem de friso a um intercolúnio dórico grego, que, indo de nível
ao grande soco do templo, produzem um efeito admirável: estes baixos-relevos
representam troféus de armas antigas, e o que há de mais notável, além da
composição variada e fidelidade do caráter, é a perfeita ilusão que causam,
vistos à certa distância; honra seja dada ao Sr. Professor José dos Reis
Carvalho, e honra a M. Debret, que deu ao Brasil um artista tão distinto.
Os
pavilhões, tanto o do Prata como o do Amazonas, fazem uma continuação da
ordem das galerias; o arco de vinte um palmos, que abrange o Intervalo das
quatro colunas dóricas; é preenchido por um arabesco realçado de prata, de
uma ilusão perfeita; estes pavilhões são coroados por duas bigas, em cujo
carro triunfal estão duas vitórias na atitude de voar, com duas coroas na mão.
Riquíssimas
lâmpadas de bronze com globos baços pendem do centro do intercolúnio,
formando harmonia com finíssimos festões de flores, atados por bandeletas,
obra de Mme. Finot.
O
aspecto geral do monumento, chamado varanda, parece simples pela razão de sua
extensão; a multiplicidade de ornatos no exterior dos edifícios é nociva
quando sua distribuição não é calculada na razão harmônica das grandes
massas; é preciso, segundo as regras dos mestres, que o olho abranja de um só
golpe o aspecto geral, e não seja entrecortado pela chamada de pequenos
datalhes.
O
Brasil é a primeira vez que vê uma quadriga executada em relevo e em ponto
colossal; a reunião do templo e do triunfo é própria para estas solenidades,
e atesta a majestade do alto destino para que fora edificada semelhante obra.
Para
descrevermos o interior é necessário começarmos pelo pavilhão do Amazonas,
que é o destinado para a entrada do público.
O
teto do pavilhão é ornado de flores e arabescos, e dele pendem cinco lustres.
sendo o do centro de uma dimensão soberba; em grandes letras se lê o pomposo
nome do rei dos rios sobre um fundo verde, e no friso da colunata interna estão
gravados os nomes de todas as cidades principais do Norte, assim como dos rios
principais. As cidades são designadas por uma coroa mural por cima do nome, e
os rios por duas pás no mesmo lugar; as cidades capitais da província têm por
cima da coroa mural uma estrela; e o Rio de Janeiro, que está no pavilhão do
Prata, distingue-se de todas as outras por três estrelas de ouro, como a maior,
a mais bela e a Capital do Império.
Rios.
- Amazonas, Madeira, Tocantins, Xingu, S. Francisco, Araguai, Tapajós e o
Negro.
Cidades.
- Recife, Olinda, Sergipe, Bahia, Cachoeira, Cuiabá, Vitória, Belém, S. Luiz,
Oeiras, Ceará, Maceió, Natal e Paraíba.
As
paredes do pavilhão estão adornadas de silvados pintados, e o fundoé é
forrado de nobreza cor-de-rosa, com grandes listões de alto a baixo, brancos,
que produzem um efeito agradável à vista.
A
galeria que se segue, e dá ingresso ao grande templo, tem de notável além da
variedade de cores do teto, duas cousas: a 1.ª é o nome dos ilustres mortos
que foram úteis e fizeram serviços reais à civilização do Brasil; ali se
acham os nomes de muitas ilustrações brasileiras que iremos numerando, notando
de passagem os documentos que as tornaram dignas de aparecerem neste lugar no
dia o mais solene do Brasil.
Fr.
S. Carlos, poeta e orador distinto, autor do poema da Assunção da Virgem;
Caldas, orador e lírico ilustre; Fr. Gaspar da Madre de Deus, historiador;
Rocha Pita, conhecido de todos os que se ocupam da história pátria; José
Bonifácio de Andrada e Silva, cujo nome basta; Prudêncio do Amaral, conhecido
dos literatos; o Capitão-Mor Clemente Pereira, célebre na guerra contra os
Emboabas; o famoso Rodovaldo, Bispo de Angola; o Bispo Desterro, criador de
monumentos; Paraguassu, a Princesa do Brasil, e seu marido Caramuru; Valentim, o
arquiteto da igreja da Cruz, de S. Francisco de Paula, do antigo Passeio, do
Parto, e de quase todos os maiores monumentos da cidade; o Conde de Linhares,
cuja nobreza é a fundação da escola militar, e os bens que fez ao Brasil; J.
Manço Pereira, o primeiro que fez porcelana no Brasil; e a quem seus trabalhos
químicos celebrizaram; Estácio Gulart e Mello Franco, célebres médicos; A.
P. da Silva Pontes, o que marcou os limites do Brasil com trabalhos indizíveis;
Fr. Leandro, botânico célebre e fundador do pitoresco e ameno jardim da Lagoa;
Alvarenga, poeta; José Leandro, pintor distinto, autor do quadro da Capela
Imperial; Manoel da Cunha, que pintou o descimento da cruz da sacristia da
Capela, e o retrato do Conde de Bobadella que está na Câmara; o Conde de
Bobadella, que toda a cidade venera, porque bebe todos os dias os seus benefícios,
as águas que correm pelos aquedutos da Carioca; os apóstolos Nóbrega e
Anchieta; o célebre mestre Marcos Portugal; Antnio Joaquim Velasques, pintor
baiano, célebre pela sua valentia e imaginação; Leandro Joaquim, cujos
quadros ornam o Parto e muitas outras igrejas desta cidade e província; J. M.
de Noronha, conhecido pelos literatos; Araribóia, Tibiriçá, tão conhecidos
como J. Basílio da Gama e o seu Poema do Uruguai; Antônio José da Silva, que,
além de suas engraçadas comédias que dominaram mais de cinqüenta anos
Portugal e o Brasil, se tornou mais interessante pela tragédia do seu ilustre
compatriota o Sr. Dr. Magalhães; Mem de Sá, o fundador do Rio de Janeiro; João
Fernandes Vieira, o Castrioto lusitano, o restaurador de Pernambuco; J. Pereira
Ramos, o reformador dos códigos portugueses e Secretário do Marquês de
Pombal.
Depois
de recordações tão gratas, excitadas por homens tão ilustres; depois de se
atravessarem duas galerias semeadas de lustres, lâmpadas e globos, de pinturas,
sedas, tapetes e ouro, uma sensação insólita se apodera quando se entra na
majestosa sala do Trono, alta de cinqüenta e sete palmos e larga de sessenta e
quatro.
A
primeira coisa que fere a vista nesta vasta sala régia é o aspecto grandioso,
que dá uma só ordem de colunas coríntias; a mesma dimensão, o mesmo acabado,
o mesmo estrilado do peristilo aqui se observa.
O
Trono Imperial é o primeiro que o Brasil vê com tanta majestade, riqueza e
elegância; esta peça, que custou quase vinte e cinco contos de réis, é
verdadeiramente digna do alto emprego a que é destinada; parece prognosticar
grandeza e riqueza para o Império do Brasil.
Tem
de altura quarenta e dois palmos; sete degraus forrados de veludo dão acesso ao
Trono por uma tela de ouro fino orlada de uma larga franja. A forma da cadeira
é suntuosa, tudo é ouro, e no meio de tanto esplendor brilham nos braços da
cadeira duas esferas de marfim cintadas por duas zonas de ouro esmaltadas de
azul e semeadas de estrelas.
A
franja, que custou quase onze contos de réis, é uma obra de finíssimo lavor,
e o manto de veludo verde está orlado de um largo galão de ouro e todo semeado
de estrelas; o forro é de lhama de ouro fino, e o fundo da cúpula de um gosto
raro, pela harmonia do cetim azul com uma estrela no centro, arraiada de canotões
entrançados de verde e ouro.
A
cúpula arremata com a forma esférica, forrada de cetim azul, semeada de
estrelas: representa uma esfera armilar coroada pela cruz. As plumas e os
ornatos, que circulam a base, fazem uma harmonia perfeita.
Dos
lados do Trono e das credências estão dois leões alados, símbolo de força e
de inteligência, sustentando um candelabro que arremata na parte superior com
uma coroa de louro, sobre a qual pousa um dragão alado, timbre da ilustre casa
de Bragança; nestas coroas se ligam, por magníficas bordas, as abas do manto,
deixando cair para os lados em amplas pregas a rica franja, e deixando ver a
riqueza interna.
O
Sr. Leger compreendeu otimamente o risco do Sr. Porto Alegre.
No
arco que acoberta o Trono está à direita um medalhão representando o perfil
do Imperador D. Pedro I, e à esquerda o do Imperador D. João VI.
Sobre
o fundo do mesmo arco vê-se um Gênio, conduzido por uma águia, símbolo da
realeza, descendo com um ramo de palma em uma mão e uma coroa na outra, e
olhando para o Imperador.
No
lado fronteiro ao Trono, o espaço compreendido pelo arqueamento do teto e pela
cimalha interior é ocupado por um quadro de sessenta palmos de comprido, o qual
representa alegoricamente os faustíssimos resultados da ascensão do Monarca ao
Trono, e a glória do seu reinado.
Os
quadros laterais por cima das galerias representam os dois maiores fatos da
Independência do Brasil. O quadro da galeria do Amazonas representa o grito de
- Independência ou Morte - no Ipiranga; é composto pelo Sr. Porto Alegre e
executado pelo Sr. Reis Carvalho e Motta. O outro, que representa o dia 9 de
Janeiro é todo do pincel do Sr. Porto Alegre.
Passando
à galeria do Prata, nela se renova a sensação que tivemos na do Amazonas pela
continuação da leitura de mais outras notabilidades do país. Ali se
encontram:
Pedro
Álvares Cabral, o descobridor do Brasil; o guerreiro e político fluminense
Salvador Correia de Sá; B.L. de Gusmão, o inventor dos balões aerostáticos,
e seu grande irmão Alexandre de Gusmão, ambos ilustrados pela sábia pena do
Exm.º Visconde de S. Leopoldo; Amador Bueno, que recusou a Coroa do Brasil; o
mavioso lírico Gonzaga; Hipólito, o escritor do Correio Braziliense, e irmão
de uma nossa notabilidade científica; Antônio José de Morais, o mestre da língua
portuguesa; o Índio Maneco, e seu colega Abreu, ambos o terror de Artigas; o
General Câmara; o famoso Visconde de Cairu, e seu ilustre irmão Baltazar da
Silva Lisboa; Monsenhor Pizarro, que tanto ilustrou a história da Pátria; o
General Curado; Rafael Pinto Bandeira, cujos prodígios o fizeram passar por ter
pacto com o diabo; Camarão; o autor do Caramuru, Santa Rita Durão; Padre Ângelo;
Paes Leme, o descobridor de Minas; M.A. de Sousa; José de Oliveira, o maior dos
pintores brasileiros, autor do teto da igreja de S. Francisco; D. Marcos
Teixeira; Almeida Serra, companheiro de Silva Pontes, assim como Lacerda;
Calderon, e o insigne e melancólico José Maurício; Azeredo Coutinho, o Conde
Bispo de Coimbra; o fecundo orador Sampaio, e o Padre Antônio Vieira; Cláudio
Manoel da Costa, esse infeliz gênio, companheiro de infortúnio de Gonzaga e
outros.
O
pavilhão do Prata se assemelha ao do Amazonas, exceto no teto e nas cores das
paredes: nota-se nele uma grinalda de flores da mão do Sr. Carvalho, que o
coloca no número dos bons floristas.
No
friso se acham gravados os nomes dos rios e cidades principais do Sul com os
mesmos atributos que notamos no pavilhão do Amazonas.
Rios:
- Tietê, Paraíba, Paranapanema, Guaíba, Paraná, Doce, S. Francisco, Negro.
Cidades:
- Rio Pardo, Rio de Janeiro, S. Paulo, Pelotas, Desterro, Barbacena, Mariana,
Campos, Cabo Frio, Porto Alegre, Angra, Ouro Preto.
Na
pequena galeria que dá ingresso à varanda do passadiço, e que une a este o
pavilhão do Prata, lê-se no meio do friso, em letras de outro, esta sublime
inscrição - Deus salve o Imperador -, e dos lados ainda se encontram oito
nomes bem ilustres e bem caros ao Brasil!
O
Conde da Barca, o Marquês do Lavradio, João Pereira Ramos, o Desembargador
Mosqueira a quem o Brasil deve a sua elevação à categoria de reino: Canto, o
conquistador das Missões: o Marquês de Aguiar, que abriu os portos aos
estrangeiros, o introdutor da pimenta da Índia e mais plantas exóticas no
Brasil; e, finalmente, Luiz de Vasconcelos, cujo nome basta para uma recordação
saudosa.
Quarenta
e três lustres, duzentas arandelas, vinte e cinco lâmpadas e uma infinidade de
globos pendem do teto desta vasta galeria: ricas alcatifas se estendem por toda
a sua superfície até às escadas, com uma observação particular, que a
estrada do Imperador, do Trono ao peristilo, é marcada sobre a alcatifa por uma
finíssima tela de prata, orlada de galão de esteira de ouro.
O
Governo Imperial comprou tudo, e a despesa do edifício não monta a cem contos
de réis.
Transcrevendo
a descrição deste magnífico monumento, não podemos deixar de tributar os
maiores elogios ao distinto artista brasileiro o Sr. Manoel de Araújo Porto
Alegre, pintor da Câmara, diretor arquiteto e pintor deste suntuoso edifício.
Todas
as pinturas são compostas por ele e executadas por seus discípulos, à exceção
dos quadros alegóricos do teto e do quadro de sessenta palmos da arquivolta.
Fonte:
(Jornal
do Commercio; de 20 de julho de 1841) Matéria enviada por:
José Eduardo de
Oliveira Bruno - SP, junho de
2004.
E-mail: jeobruno@uol.com.br e ou/ jeobruno@hotmail.com