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Terra Roxa -
“A Província de São Paulo”- 2/12/1876
por J.E.O. BRUNO
Dr.
Luiz Pereira Barretto
Os paulistas do Oeste de São Paulo, em geral, não suspeitam o quanto a sua terra está na tela da discussão corrente nas outras províncias, mas, com especialidade na do Rio de Janeiro. Agricultores, literatos, estadistas, comerciantes, homens de ciência, ali encontram matéria abundante para toda sorte de considerações econômicas, sociais, políticas e filosóficas. Mesmo as menos perspicazes não escapa o notável contraste entre o rápido incremento dos progressos materiais da província de São Paulo e a posição improgressiva da maior parte de suas irmãs. A atitude de São Paulo é, de fato por demais proeminente para não provocar reflexões desta ordem. A sua prosperidade crescente não pode deixar de pôr em relevo a imobilidade de suas vizinhas, e, sobretudo, a irremediável decadência das do norte do império. Ao passo que o Maranhão, por exemplo, outrora tão florescente e com todas as aparências de um longo fôlego, hoje lá jaz prostrado, exausto e reduzido ao desesperado papel do paisano Russo, que come a sua semente de planta e resigna-se aos golpes de sorte; ao passo que Pernambuco e Bahia, em outro tempo as mais belas dentre as primeiras, não conseguem dar vida aos seus vacilantes ensaios de estrada de ferro; ao passo que o Rio de Janeiro, não obstante o prestígio e o poderoso influxo da monarquia a seu favor, confessa-se falida na esfera agrícola, vemos a província de São Paulo cada vez mais vigorosa renovar de ano para ano as suas forças e resplandecente de energia alargar os horizontes de sua atividade e de seu futuro. É natural que uma tão vistosa superioridade desperte em todos os brasileiros a mais viva curiosidade e provoque o justo desejo de saber quais os elementos, que dão a São Paulo essa brilhante e invejável perspectiva. É neste terreno que sempre se travam as mais calorosas e instrutivas discussões. É sobre este ponto que desejo atrair a atenção dos paulistas, colocando nuamente sob seus olhos as principais peças do processo e esboçando rapidamente os traços característicos da filosofia agrícola do terreno roxo desta província. A filosofia da terra roxa ! não se assustem os srs. fazendeiros, prometo-lhes não os fazer passear pelas nuvens, nem evocar os manes de Plutão, nem tampouco destecerei as meadas de Kant. Quero simplesmente colocá-los em estado de responder às incessantes objeções e aos pedidos de informação que nos chegam de fora da província. A minha tese é a seguinte: a província de São Paulo é o que é na atualidade, graças simplesmente à sua terra roxa. Deixam de lado o massapé e os outros terrenos de grande valor agrícola, porque são todos mais ou menos degenerescência da formação roxa; o massapé,com especialidade, sob o ponto de vista da química agrícola, é facilmente conversível à categoria do terreno roxo. Demais estes terrenos constituem a ínfima minoria relativamente à quantidade da terra roxa espalhada pela província. Já se vai bem longe o tempo em que, para se explicar os fatos da história, era bastante possuir-se conhecimentos mais ou menos variados de literatura antiga e moderna. O espírito científico, que domina a existência das sociedades de hoje, tornou-se mais exigente. Não é mais suficiente dar assaltos de memória à longa lista de todos os Faraós, ou de todos os Papas, nem tampouco conhecer todos os gestos e acenos dos reis, para se dar a razão da grandeza ou a decadência dos povos. A ciência hodierna, filha do povo, impôs ao historiador, hábitos de uma mais severa disciplina e não quer dele senão explicações que tenham uma profunda raiz na terra. Perante a ciência, a civilização nasceu da terra com o primeiro homem que brandiu a primeira enxada. Os historiadores, que explicam, por exemplo, a queda do império romano ou a decadência da Grécia por meio da corrupção dos costumes desses povos, não percebem que cometem um ilogismo, uma petição de princípio. A corrupção de um povo é um fenômeno muito complexo,que precisa a seu turno de uma explicação: é um efeito de longos antecedentes sociais e não uma causa. A corrupção não é uma entidade sobrenatural, ou algum gênio mau, habitando fora da terra, e que bruscamente tenha o capricho de invadir uma sociedade só pelo prazer de fazê-lo degenerar. Filosoficamente, a corrupção é uma moléstia social, que tem a sua raiz no estômago, e, neste ponto, a ciência se acha de pleno acordo com os depoimentos das Santas Escrituras. Quando a Bíblia nos informa que o primeiro cidadão do mundo, o pai Adão, foi sentenciado a ganhar o pão com o suor de seu rosto, quis enfaticamente significar que a cólera divina escolheu bem o seu teatro de vingança, confiando a execução da sentença precisamente ao inimigo o mais feroz e implacável do homem, - o seu estômago. É, de fato, de simples intuição, se não tivéssemos estômago, a nossa organização social seria inteiramente diversa do que hoje é, ou antes não haveria o mais fraco esboço de organização social; não teríamos necessidade de instituições administrativas; não teriam razão de ser os partidos políticos ;não haveria a distinção de classes;não haveria lugar para o Estado, para a nação;não existiriam as leis reguladoras da propriedade,do casamento,da família; se- riam impossíveis asa ciências ,as artes ,a poesia, em uma palavra , não haveria sociedade, haveria,quando muito, pecorismo grosseiro e confuso. É no estômago que devemos procurar os principais segredos da história do engrandecimento ou do abaixamento das nações. Em outros termos, é da maior ou menor facilidade com que o homem obtém os meios de aplacar a fome, que decorem todos os progressos ou todos os embaraços à marcha ascendente da civilização. Sabemos,hoje, positivamente,pelos documentos pré-históricos os mais autênticos,que,quando se fundou a vila de Roma, já o solo da Itália se achava, desde há muito, coberto de imensas populações, que viviam na maior abundância, graças ao estado florescente de sua agricultura.Ainda hoje se encontram os restos das construções colossais, executadas no Latium, e que atentam a alta prosperidade dessa pequena província nos séculos anteriores à fundação de Roma. Só no pequeno território, ocupado hoje pelas Alagoas Pontinas,existiam 23 cidades ou vilas densamente povoadas.Os romanos no apogeu de sua grandeza,deixaram este pequeno mimo degenerar em foro perpétuo de febres e opilações,das quais foi Mário vítima:sob o domínio dos Papas este estado não fez senão piorar até os nossos dias .Do mesmo modo os Etruscos haviam convertido os banhados e países da Lombárdia em magníficos jardins agrícolas,graças ao mais sábio sistema de canais de drenagem. Do mesmo modo, os Samitas porfiavam em converter a cordilheira dos Apeninos em um vasto e esplêndido celeiro. Surge o povo Romano com seu espírito aventureiro e sua inextinguível sede de conquistas, e a cena muda do todo ao todo.Aos canteiros de rosas e aos campos de cereais sucedem os cardos e os carrascais;aos verdejantes e risonhos prados ,que forneciam pingues pastagens à numerosos e variados rebanhos,sucede agora o aspecto da mais sombria desolação.Em lugar da alegria,é agora a fome que passeia seu lívido olhar por toda a Itália.Os camponeses desertam os campos, a soldadesca pulula nas cidades;os palácios dos Césares,as repartições públicas, pejam-se de enxames de pretorianos.Uma nova tarefa ,urgente,formidável,se impõe à edilidade: é preciso dar pão aos ciosos esfomeados, sob pena de uma sedição sangrente.Das províncias não vêm mais farinha que baste, e forçoso é importar trigo de remotas regiões.Com a miséria,com a fome,o casamento cai em desuso,os filhos não são mais uma benção dos deuses, os seios maternos não tem leite,os braços do trabalhado se desmusculam,o paisano rompido no físico e no moral, desesperado sob o peso dos esmagadores impostos que a populaça de Roma não cessa de arremesar-lhe entre rugidos de ameaça, retira-se afinal da luta desigual: taciturno,sombrio,desfigurado,ei-lo vagando pelas estradas abandonadas ,e revolvendo em seu cérebro incendiado, o pensamento insensato, atroz, de extinguir a família....para não vê- la sofrer. A mesma cena se reproduz em cada aldeia, em cada tugúrio, por toda parte. A população decresce rapidamente, Roma já não pode fornecer o contingente de duas legiões ! Sob o reinado de Júlio Cezar, 850 mil homens vivem à custa do tesouro, e o recenseamento para ele instituído , indica já uma baixa assustadora na população e determina a criação da lei agrária, que reparte as terras da Campania entre 20 mil cidadãos pobres, tendo ao menos 3 filhos cada um. Medida esta tão inútil como a repartição forçada dos bens sob Caio Gracho, porque nenhuma delas se dirigiu à fonte do mal. Sob Augusto, a notícia da derrota do pequeno exército de Varus, enche de pavor a cidade Imperial : todos sabiam que, fossem quais fossem as violências empregadas no recrutamento, não se conseguiria mais levantar um punhado de combatentes. O caminho estava franco, e as portas de Roma largamente abertas para a invasão dos bárbaros.
Dr.Luiz Pereira Barretto
(continua)
A Terra Roxa - “A Província de São Paulo”- 3/12/1876
Se volvemos o olhar para a Grécia, aí depararemos idêntico espetáculo.Muitos séculos antes da lenda da fundação de Roma, muito antes desses bons tempos em que uma loba dava de mamar a régios infantes,já a Grécia tinha atingido a um notável grau de prosperidade ,e a sua população era extremamente numerosa. Entretanto, não obstante os seus brilhantes sucessos nas artes,na poesia, na filosofia e na política,vemos a sua população ir rapidamente diminuindo. Já foi com imensas dificuldades que Sparto pôde pôr em linha, 8 mil homens na batalha de Plates, e Aristóteles, que viveu cem anos depois , nos informa que no seu tempo essa valente cidade não possuía mil homens aptos para o ser- viço das armas. Como explicar-se uma tão colossal queda de dois povos, que tanto se distinguiam por sua coragem, seu gênio e sua indefessa atividade ?
It would be long to say and sad to trace Every step from splendour to disgrace (1)
A explicação que dão os historiadores não versados nas ciências naturais, é tão simples quão ingênua; as guerras contínuas, dizimavam a população, e a corrupção dos áulicos, fez o resto.Infelizmente, esta opinião está em completo desacordo com os depoimentos da estatística. A história moderna e a democracia, nos mostra que a guerra e a paz em si, não exercem senão a mais exígua e efêmera influência sobre a flutuação das populações. Nas guerras incessantes que a França sustentou de 1791 até 1815,sucumbiram para mais de 4 milhões de homens válidos,aptos para o serviço da lavoura. Entretanto, poucos anos depois de 1815, a população francesa era de muito superior à de 1791. Por outro lado, atribuir à tirania dos reis, a decadência de um povo, é fazer derivar de uma causa mesquinha, o mais surpreendente efeito, é evidentemente cometer um excesso de fisiologia. Os monarcas, por mais longe que levem o seu despotismo, não podem operar o aniquilamento total de uma nação: em todo o decurso da história, vemos a sua maléfica influência contrabalanceada e neutralizada pela ação regular das leis naturais, que dão sempre a vitória ao povo. Darwin, em sua bela teoria da luta pela existência e da seleção natural, deixou tão firmemente as nossas idéias a este respeito, que a sociologia positiva eleva à categoria de lei histórica, o fato da preponderância contínua do elemento popular, sobre a realeza. Quaisquer que sejam as precauções de conservação própria que tomem as diversas castas, que se disputam no domínio da humanidade, nunca podem conseguir opor um dique eficaz à onda popular, que cresce e cresce sempre, até assoberbá-las e afastá-las da senda da evolução.Triunfo popular e evolução histórica, são idéias que se associam na mais íntima interdependência para exprimir um só fato, o da seleção natural. O elemento popular, acaba sempre, invariavelmente, por predominar; e a razão é óbvia: é que a força está com o número, com o povo; e no combate pela existência, são os mais fracos que devem naturalmente cair primeiro. Bem longe de serem os reis que matam os povos, são os povos que matam os reis. Biologicamente, a raça dos reis é uma raça condenada fatalmente a perecer, em virtude da limitada esfera da renovação do seu sangue; e nesta maneira de ver, não vai desrespeito: a falta de um extenso e livre cruzamento, a consangüinidade prolongada dos casamentos, acarreta forçosamente a degenerescência física e moral, não só a surdez, a cegueira, a epilepsia, uma nevrose qualquer, mais ainda o idiotismo, a incapacidade política absoluta,por conseqüência a inaptidão para sustentarem o combate pela existência, a inépcia para defenderem com êxito a posição privilegiada que ocupam. Aliás, a história nos informa que, se houve imperadores devassos, tais como Commodos e Os Heliogabalos, que se compraziam nas calamidades públicas, muitos outros houve,e dos mais ilustres, que empregaram todos os meios a seu alcance, para conjurarem a tremenda crise, que envolvia de todos os lados o povo rei. Onde, então o segredo da grandeza inicial e da decadência consecutiva ? Só a química agrícola, e só ela, nos pode esclarecer a respeito. Esta ciência, nos demonstra que a grandeza de uma nação, depende fundamentalmente da fertilidade do seu solo, e que a sua decadência provém da pouca duração dessa fertilidade.
Dr.Luiz Pereira Barretto
(continua)
(1) Seria demasiado para dizer e triste para seguir Cada passo do esplendor à desgraça.
(*) Byron Greece
A Terra Roxa - “A Província de São Paulo”- 5/12/1876
A Itália e a Grécia possuíram terras muito férteis durante o decurso da pré-história; porém, a sua camada de terra fértil ou vegetal, do humus, era mui pouco espessas. Enquanto durou a côdea de terra vegetal, a população cresceu e expandiu suas forças em todas direções. Do momento, porém, que a delgada camada desapareceu pelo contínuo roteamento, sustou- se o movimento ascendente: o exaurimento da terra foi o cravo na roda do progresso. Sem dúvida, as guerras contínuas, as enormes despesas que acarretavam, os loucos desperdícios de dinheiro com a construção dos palácios, dos soberbos aquedutos, dos circos, das festas e jogos públicos, deveram poderosamente cooperar para o desfecho fatal. Mas,a causa imediata, incessante, profunda, inexorável, que corroeu como um verme o corpo do império romano e abateu pelo pedestal a brilhante civilização grega, foi tão somente o esgotamento dos sais fertilizantes da terra. O esbanjamento dos dinheiros públicos só atuou nesse sentido, a saber: que os lavradores, exaustos de recursos, se acharam impossibilitados de se prover dos adubos necessários para restituir à terra os elementos que dela saíam cada ano sob a forma de cereais, legumes, etc. Esta expedição, por menos elegante que possa parecer aos olhos daqueles que só se comprazem no puro platonismo e no vago das opiniões etéreas, encontra, entretanto, a mais implacável confirmação da história de todos os povos. Sem sair do Brasil, e muito perto de nós, podemos encontrar eloqüentes exemplos para com- firmar este arauto da ciência. Ser-nos-a suficiente aqui um único. A província do Rio de Janeiro, todos o sabem, manifestou um rápido desenvolvimento material e mental, e tornou- se em pouco tempo a primeira dentre as províncias do império. Entretanto, não se precisa ser profeta para avançar, sem receio de errar, que os seus dias estão contados e que o mais sombrio prospecto de futuro, já ameaça e a domina efetivamente. Já é muito notável no seu seio o movimento de emigração para o Sul de Minas e São Paulo, e não é possível desconhecer-se a analogia que há entre esse movimento e o que se operou na Grécia, setecentos anos antes da era cristã, quando um imenso número de famílias do Pelopeneso e Corinto, foi fixar residência nas remotas margens do Ponto Euxino e do Mediterrâneo, na Ásia Menor e na África. As terras da província do Rio de Janeiro, foram incontestavelmente, muito férteis, como foram as da Itália e Grécia; a cultura do café e da cana de açúcar aí prosperou ao ponto de nada mais deixar a desejar; grandes fortunas se levantaram na lavoura, e assim as últimas gerações puderam legar à atual, essa grande acumulação de capitais que ali vemos. Mas a sua camada de terra vegetal, era por demais exígua para não falir no fornecimento contínuo dos sais orgânicos, de que precisam as plantas para elaborar a albumina de nosso sangue, a gordura fosforescente do nosso cérebro e a massa calcária dos nossos ossos; o seu humus esgotou-se , e com ele cessou a fonte de riqueza fluminense. Os grandes capitais ali não se renovam mais na lavoura, a geração contemporânea e a seguinte, estão condenadas a viver das economias dos predecessores. Podemos asseverar que a província do Rio, está destronada; a régia proeminência que lhe assegurava a cultura do café, não lhe pertence mais; o verde ramo do precioso grão, por ele própria escolhido para emblema nacional, escapou-lhe das mãos para vir a cingir a fronte da província de São Paulo.
(continua)
Dr.Luiz Pereira Barretto
A Terra Roxa - “A Província de São Paulo”- 6/12/1876
Perante os sintomas de agonia geral, que observamos em todo este vasto império, experimentamos um verdadeiro alívio ao descansar a vista sobre a província de São Paulo, ao contemplar os elementos de vida própria que lhe garantem um longo futuro. A província de São Paulo possui uma extensa zona de terra roxa, e é sobre este terreno que assentam os sólidos alicerces de sua crescente prosperidade. Não é minha intenção fazer aqui a descrição técnica e minuciosa da terra roxa, pois este trabalho já tem sido feito por mais de uma vez e por autoridades as mais competentes. Como disse ao começar, só quero esboçar a grandes traços a filosofia agrícola especial a este terreno. A primeira questão, que nos dirigem constantemente,quando se discute a lavoura do Oeste, é a seguinte: qual a razão porque a terra roxa apresenta essa extraordinária feracidade? E como sei por experiência que as divergências de opinião sobre este ponto dão lugar à grandes perplexidades fora da província, começarei por examinar o valor das principais explicações em circulação no espírito do público paulista. Uns pensam que a superioridade do terreno roxo é devida à sua configuração, em sua disposição e colinas à meia laranja,em planaltos ou tabuleiros;outros que é devida exclusivamente à sua composição química; outros,enfim ,a atribuem ao clima. Em todas estas maneiras de ver, há, sem dúvida, um bom grau de verdade, mas, a razão primordial e fundamental da fecundidade, está em outra parte, fora do alcance destas três hipóteses. A primeira hipótese faz valer em seu favor, a pequena declividade dos flancos das montanhas, a lentidão da marcha das águas pluviais sobre elas, a sua maior demora, e por conseqüência a sua mais fácil e mais completa infiltração, e, como resultado final, o menor arrastamento da terra vegetal para os vales. Esta explanação seduz, sobretudo, os lavradores fluminenses, que observam todos os dias, o desastroso efeito das copiosas chuvas de verão, as quais muitas vezes, em uma hora, lavam completamente as cinzas e a tênue crosta de terra vegetal de seus montes abruptos, e assim desmantelam sem piedade as magníficas esperanças fundadas sobre uma queimada de mata virgem. O fato é perfeitamente exato,mas a interpretação do seu mecanismo é falsa. Esta hipótese cai perante o fato da existência no Oeste mesmo de São Paulo, de montanhas igualmente altas e a prumo, que conservam,entretanto, de um modo perene o seu tegumento de humus e a sua vigorosa uberdade. A hipótese da composição química ainda é mais sedutora. A enorme quantidade de peróxido de ferro, 48 %, imprime na terra roxa, um caráter de tal modo saliente e conspícuo, que neste gênero nenhum outro terreno lhe é equiparável, aqui no Brasil. Mas, em outros países encontramos terrenos igualmente abundantes em minerais de ferro, mais abundantes mesmo, como por exemplo em Java e na Bélgica,nos arredores de Bruxelas: neste último lugar ainda se encontram os vestígios de altos fornos primitivos, os resí- duos da fusão artificial do ferro: é que a limonite e a hematite aí existem em tal abundância que outrora serviram aos romanos de lucrativa mina para extração do ferro. Ninguém, entretanto, pensará jamais em estabelecer um paralelo entre o rendimento agrícola desses terrenos e o do Oeste de São Paulo. Um argumento mais decisivo ainda contra a hipótese da composição química nos é forneci- do por outras espécies de terreno roxo,de igual riqueza em ferro, tais como os que formam os campos nativos de várias regiões da província de Minas e que existem igualmente,em grande escala , na própria província de São Paulo, em Casa Branca, por exemplo, em Pirassununga, no lageado, etc. Em Casa Branca temos os dois polos do binômio geológico, o contraste o mais frisante entre dois terrenos igualmente ricos em peróxido de ferro: aí temos as célebres fazendas dos srs. Martinho e Antônio Prado – fazendas que são realmente o ápice do belo ideal em lavoura, a expansão suprema das forças produtivas da terra – e, ao lado, sem preâmbulo, sem transição, se desenrolam os vastos campos de macega dourada, que se estendem a perder de vista, e em cuja composição química predomina o mesmo mineral ferruginoso. A terceira hipótese, relativa ao clima, embora tenha igualmente a seu favor um grande fundo de verdade, não resiste, todavia, a uma análise profunda. Para se sentir o seu lado fraco, é bastante lançarmos um olhar para o mapa de Mercador e Arago, que serve de anexo ao Cosmos de A. Humboldt, e acompanhar as linhas isotérmas e isoquímeras: ali veremos que estas linhas passam, coincidência notável ! por um grande número de países que se assinalam pela pela total ausência do cafeeiro. Mesmo o alto Egito, que é o berço mais antigo do café, e que se acha a igual distância do equador, que a província de São Paulo, abstração feita do hemisfério, e que oferece tantos pontos de analogia com esta província, está entretanto, muito longe de apresentar a exuberância da produção do Oeste de São Paulo. Aliás, encontra-se em vários pontos da província do Rio e da de Minas, clima idêntico ao do Oeste. Mas, que distância profunda entre a produção de um e de outro lado ! Eliminadas estas três hipóteses, ainda resta um vasto campo de observação a percorrer, e o da constituição física da terra roxa e a sua colossal espessura. Para ser breve, direi que é na constituição física e na espessa camada de terreno roxo, que reside o segredo da sua uberdade e toda a garantia da província de São Paulo. É a constituição física que determina o estado granuloso, pulverulento, encaroçado do terreno roxo, e que o faz mole, fofo, permeável e perfeitamente espongóide. É este estado esponjoso, e não a sua declividade dos lançantes dos chapadões, que explica o alto poder higrométrico da terra roxa, a sua fácil embebição pelas águas pluviais, e rápida infiltração destas através de toda a sua massa. É a absorção completa e imediata das águas da chuva que nos dá a razão do fato de não haver aí essas pavorosas enxurradas, que em outros lugares destituem em breve tempo a terra de suas funções fitogênicas. É a esta constituição física que os paulistas devem o seu esplêndido sistema de cova funda para o plantio do café. Este soberbo sistema é tão natural e racional na província de São Paulo, quão absurdo e impraticável na do Rio de Janeiro. A razão é óbvia. Se o lavrador fluminense tentar plantar o café de semente, pelo sistema paulista, terá inevitavelmente por prêmio de seu trabalho, a mais pungente decepção: a primeira chuva converterá a sua cova em um vasto pélago, em que se submergirá o embrião de sua planta. Se, para evitar este desastre, ele pratica em sua cova, uma rigola de escoamento para as águas,ainda a primeira chuva zombará dos seus inúteis esforços, transformando a sua válvula de segurança contra inundação, em uma vasta porta por onde escapariam todas as sementes arrastadas pela torrente.Além disto,a camada de sua terra vegetal, sendo muito pouco espessa, uma cova de um pé de profundidade, ultrapassa de muito os limites de sua espessura, e vem achar-se assim a semente repousando sobre um solo impróprio, refratário à cultura. De qualquer maneira que se avente, perde seu tempo e seu trabalho, corre após uma sombra.
(continua)
Dr. Luiz Pereira Barretto
A Terra Roxa - “A Província de São Paulo”- 7/12/1876
A extraordinária fertilidade, que resulta da constituição física, se opera por um duplo mecanismo. Em primeiro lugar, devemos atender as condições de formação, de conservação e perduração, em que aí se acha o humus. A medida que as folhas da mata vão caindo e decompondo-se lentamente para formar o humus, os sais deste humus, vão sendo imediatamente sugados pela terra ao favor das águas pluviais e assim se vão entesourando e se pondo de reserva no seio do próprio solo que lhes deu origem. A terra roxa faz o papel de uma verdadeira burra de usurário: todo vintém que aí cai, fica. Mas, o seu alvo, se é lícito empregar uma expressão fetichista, é mais elevado, mais social. Desta sorte,contrariamente ao que se passa nas terras do Rio de Janeiro, não é na camada mais vizinha da superfície que reside o plano mais nutritivo da terra roxa, mas sim, nas camadas inferiores. É desse fato que resulta a profunda racionalidade do sistema de cova funda, tão habilmente manejado pelos paulista. Foi um verdadeiro homem de gênio, o primeiro que o concebeu e o pôs em prática, e aproveito aqui a ocasião para pedir aos srs. fazendeiros que declinem o nome desse benfeitor da lavoura paulista, já que, apesar de minhas prolongadas pesquisas neste sentido, não me foi possível descobri-lo. Esse homem merece incontestavelmente uma estátua. Em segundo lugar, o que poderosamente concorreu para exaltar a fertilidade da terra roxa é a conhecida propriedade, que possuem os corpos pulverulentos, de atrair e condensar os gases. O estado granuloso e esponjoso da terra roxa, a dispõe admiravelmente para esta função. O azoto aí condensa-se em plena afinidade e na sua máxima energia. Por outro lado, os detritos vegetais, que se decompõem, para a formação do humus, desenvolvem grande cópia de hidrogênio. Este gás, no estado nascente, combina-se com o azoto para formar a amônia. A amônia em presença do ácido húmico, forma o humato de amoníaco, que é precisamente o rei dos sais orgânicos, o mais eminente, o mais fecundo, e o mais indispensável agente no desenvolvimento da vida da planta. Do mesmo modo, o ácido carbônico também aí acumula-se, e, já por sua propriedade de favorecer a dissolução dos sais calcários insolúveis, já por ser ele próprio o primeiro alimento da planta, preenche igualmente um conspícuo papel nesse mecanismo. A cova funda é um corolário da constituição física, e da cova funda resultam fenômenos da mais alta importância para a fisiologia do cafeeiro. É de simples intuição que uma planta surgida da semente,nestas condições, imergirá naturalmente as suas raízes, e, sobretudo, o seu peião, a uma grande profundidade. A sua ramificação subterrânea se achará assim garantida contra o pernicioso efeito das oscilações extremas da temperatura ambiente: no verão, o intenso aquecimento da superfície do solo, não se comunicará à seiva, que circula das raízes para as folhas, de modo a torná-la acre e nociva para a planta, pelo contrário, partindo ela da terra, em um grau de temperatura inferior ao do ar ambiente, operará nas folhas o efeito de calmante, de verdadeiro refresco, e assim contrabalançará a ação por demais severa dos raios solares. Inversamente, no inverno, a seiva , que vem das raízes, trás um grau de temperatura superior ao das ramificações aéreas, e, assim ao distribuir-se nestas, modera-lhes o rigor do frio e diminue-lhes a intensidade da queimadura pela geada. Para bem aquilatarmos a importância destas condições,devemos nos lembrar do que se passa conosco, dos efeitos diferentes que experimentamos, segundo que estamos bem calçados e com meias de lã, ou descalços e sem meias, ao expormo-nos a um grande frio intenso. Podemos suportar um grande abaixamento de temperatura, quando temos os pés bem agasalhados. Pelo contrário, somos extremamente impressionáveis, e nos arriscamos a uma pneumonia ou a outra qualquer congestão de um órgão nobre, quando nos expomos ao frio com os pés desprotegidos. Ora, a planta é um organismo vivo como o nosso, e cujas funções fundamentais são idênticas às nossas. Nos terrenos que não permitem o sistema de cova funda e em que se planta o café de muda e o peião cortado, é conhecida a tendência das raízes a se tornarem superficiais. É este fato que explica o aspecto melancólico e doentio dos cafezais do Rio de Janeiro. Bem se pode avaliar qual deva ser o efeito de uma seiva excessivamente quente sobre a nutrição da planta. Se a grande geada queima, os grandes sóis cozem as folhas. Demais, a composição química da seiva não suporta uma alta temperatura; os princípios orgânicos da seiva, bem como os do sangue dos animais, se assinalam por sua extrema instabilidade. Sob a ação direta do sol de janeiro, os princípios imediatos da seiva se alteram,e o suco nutritivo assim alterado, torna-se uma fonte de envenenamento para a planta.
Dr.Luiz Pereira Barretto
(continua)
A Terra Roxa - “A Província de São Paulo”- 8/12/1876
A cova funda é um verdadeiro útero, em que se opera a gestação do cafeeiro até a idade de um ano. Aí a planta em sua tenra infância,acha-se não só abrigada contra os ventos e contra os raios solares diretos, como ainda goza da vantagem de uma quase perfeita uniformidade de temperatura durante todo o ano. E, aqui lembrarei aos srs. fazendeiros a necessidade de multiplicarem as experiências, variando a profundidade da cova, até atingirem o grau de perfeição científica,que comporta este sistema : é preciso criar-se neste gênero uma bitola uniforme. Estou certo que não lhes é inteiramente desconhecido o fato de se conservar, na Europa, o vinho em adegas ou cavas subterrâneas profundas. A experiência ensinou que é este o único meio de se obter bom vinho. Ora, o que há de mais curioso nessas adegas, é que, quando aí penetramos no rigor do inverno, experimentamos a agradável surpresa de uma temperatura doce e amena, tanto o ar interior nos parece quente em relação ao exterior. Do mesmo modo, em pleno verão, quando o calor atinge o seu máximo rigor, experimentamos um imenso alívio quando penetramos nessa mesma adega. O ar aí, é pois, quente no frio, e frio no calor: parece um paradoxo. O fato, entretanto, é mui facilmente explicável, e resulta da desigual distribuição do calórico pela superfície da terra. Quando descemos da terra perpendicularmente para o centro, vamos encontrando uma temperatura cada vez mais alta; o termômetro marca um grau mais para cada 27 metros, pouco mais ou menos. Daqui resulta que, em qualquer país, devemos à uma certa profundidade, encontrar a temperatura invariável para todo o ano. A profundidade varia segundo a latitude. Ela é de 30 metros, pouco mais ou menos, para o norte da França, e vai sempre diminuindo a medida que vamos descendo para o equador. No Pará, por exemplo: para se atingir a temperatura invariável, é bastante se praticar uma cova de alguns decímetros de profundidade. E, a propósito, seria um grande serviço prestado à lavoura, se a comissão recentemente nomeada pelo governo para medir o arco do meridiano, quisesse nos esclarecer à este respeito. Os fazendeiros do Oeste de São Paulo, são os únicos que podem se orgulhar de apresentar uma lavoura nas condições as mais rigorosamente de acordo com as leis naturais. Um único tropeço natural, os embaraça, e não posso abandonar este assunto, sem dizer uma palavra a respeito. Este tropeço, o pesadelo dos lavradores paulistas e o espantalho dos lavradores fluminenses que desejam emigrar para o Oeste, é a geada. É com razão que este acidente apavora a todos. Mas, o que mais contribui para lançar o terror e o desânimo na imaginação dos fazendeiros: é a idéia falsa que reina sobre a marcha e e propagação da geada. Em geral, todos supõem que este fenômeno de congelação, não está sujeito a uma lei fixa e invariável e que os seus ataques só procedem à esmo e como por capricho. Ora, uma acurada observação, nos convence do pouco fundamento desta crença. E, para dissipar todas as dúvidas a este respeito, é preciso que nos entendamos perfeitamente sobre a própria palavra – geada. Se, se dá este nome à água congelada na superfície das folhas simplesmente, dever-se-a convir que a geada é inocente e não há fazendeiro que não tenha repetidas vezes observado seus cafezais completamente brancos, em uma bela manhã de junho ou julho, sem terem tido, entretanto, que lamentar a perda de uma única folha de cafeeiro. Este fato é por demais comum, e quanto basta para demonstrar que a geada por si só não mata um cafezal. Para que este desastre tenha lugar, é preciso que intervenha um elemento estranho, o vento. Sem vento, nenhum perigo há na geada. Trata-se, pois, de saber se o vento é ou não susceptível de se deixar sujeitar a uma lei fixa. E, para não complicar inutilmente este problema, não tomarei em consideração os ventos parciais, que reinam em certas grandes bacias do oceano, para só me ocupar dos grandes ventos gerais, que vão das regiões glaciais polares para a cinta equatorial. É também inútil tocar no vento, que desce do Pólo norte para a zona tórrida. O único vento que nos interessa pelo mal que nos pode causar, é o que sopra do Pólo sul para o equador. Se a terra não girasse em torno de seu eixo, a marcha deste vento seria direta de sul à norte. Em virtude, porém, de uma pequena demora da atmosfera em acompanhar a terra no seu vertiginoso movimento, a marcha do vento sul, sofre uma notável inflexão, e de sul torna-se sudeste. É este sudeste que o fazendeiro deve detestar cordialmente, mas também é o conhecimento exato da marcha deste sudeste em suas terras que o pode fazer ou rico ou desgraçado, conforme subordinar a ele a prática de sua lavoura. Em geral, todo vento de procedência sul, é mau, e um fazendeiro bem avisado não arriscará jamais uma plantação de café em uma face exposta diretamente ao sudeste ou sul. Não me consta que cafezal algum, olhando francamente para o norte, ou melhor ainda, para o noroeste, tenha tido que se queixar dos insultos da geada. A configuração do terreno modifica singularmente o curso do vento reinante, e é por não fazer convenientemente a parte desta condição que se atribui capricho e irregularidade às geadas. A altura das montanhas é igualmente de uma influência soberana.Mas, o que se pode asseverar, sem receio de engano,é que, dada uma extensa planície e uma montanha que atravesse na direção de leste à Oeste, a face dessa montanha, voltada para o norte, está perfeitamente garantida contra a geada. Ao lavrador incumbe realizar mais ou menos a sua lavoura na conformidade destes dados, bem certo de que está em suas mãos o evitar os contratempos pelo frio. Com um pouco de cuidado e prudência, a geada, em vez de ser um flagelo, é um positivo benefício para os cafezais. A boa saúde do cafeeiro requer anualmente ao menos um ligeiro ósculo da dama branca . Aqui como em tudo mais , a questão é de dose. Não falarei nos princípios salinos orgânicos e inorgânicos, tais como os crenatos e apocrenatos alcalinos, os sais de potassa, de cal e magnésia, que existem em tão extraordinária abundância na terra roxa, nem tão pouco farei a descrição da esplendorosa vegetação que a reveste. É um absurdo por demais importante para ser tratado ligeiramente. Mas, não é possível deixar de ao menos assinalar, como o maior portento, em fato de terras de cultura, a espessura da camada do terreno roxo. É esta espessura que torna as terras do Oeste sem rivais no mundo e que distancia a perder de vista a sua lavoura da do resto do império. A espessura da terra roxa é de tal ordem, que o lavrador paulista não se inquieta, nem precisa se inquietar com a natureza do seu subsolo. Sob o ponto de vista agrícola, a terra roxa não tem, de fato, subsolo: é uma estratificação homogênea, compacta, imensa, que atinge nos lugares explorados, 20, 30 e 35 palmos de profundidade. É perante essa massa imponente de terra vegetal, que se compreende como as matas do Oeste podem ostentar estes colossos de vegetação, os jetiquibás de 90, 100 e 110 palmos de circunferência. É perante essa assombrosa camada de terra laborável que o fazendeiro fluminense se sente esmagado e humilhado em seu melindre de lavrador. Ante um pé de café de 30 e 35 palmos de roda, a sua razão vacila e os seus olhos não crêem o que vêem, tanto o cafezal do Oeste lhe parece um cenário de fadas. É então que lhe surge amarga a idéia do seu passado, da longa série de anos que passou, sem saber o que era uma lavoura de café,roendo em sua província um duro osso, e pondo obstinadamente em quarentena os mais sóbrios e convergentes testemunhos paulistas. É um espetáculo singular esse da rotina dos lavradores de fora. O mesmo homem, que crê piamente no cavalo de Tróia ou que com meia dúzia de peixes e igual porção de pães se pode matar a fome à sete mil esfomeados, nega, entretanto, crédito à palavra de um paulista, quando este lhe assegura ter colhido mil arrobas de 5 mil pés de café. Em geral, na opinião dos seus colegas fluminenses,o fazendeiro paulista não passa de um hablador : tudo quanto se lhe refere da cultura do Oeste lhe parece o produto de uma imaginação desencanilhada. Também, quando à força de solicitações, ele consente em vir verificar as hipérboles paulistas, o primeiro efeito da vista de um cafezal normal é o da humilhação e do vexame. Confuso sob o peso de tanta magnificência, uma única idéia o preocupa e o atormenta, é o papel ridículo de sua pessoa, quando media as galas da lavoura do Oeste pela craveira dos seus desoladores e enfezados cafezais.
Dr. Luiz Pereira Barretto
(continua)
A Terra Roxa - “A Província de São Paulo”- 10/12/1876
A província de São Paulo possui grande número de municípios do mais alto valor em terras de cultura; e é difícil mesmo a um lavrador, que vem de fora ,saber a qual deve dar preferência. Mas, quando mesmo não possuísse o Ribeirão Preto, ainda assim seria ela a primeira província do Império.
Só este era bastante para colocá-la acima de tudo quanto a imaginação pode conceber de mais surpreendente. É ali que a natureza tropical condensou todas as forças de sua fecundidade e derramou à profusão todas as maravilhas de sua onipotente criação O Ribeirão Preto é o vasto repositório em que a “Flora Brasileira” se ostenta em sua mais enérgica e deslumbrante expressão. É a esse município que eu aconselharia uma visita a todos aqueles que aprenderam a achar um supremo gozo nos grandes contatos com o mundo criador, no grandioso espetáculo da natureza viva. Graças às suas terras excepcionais, a província de São Paulo é a única que escapará ao naufrágio geral da nossa lavoura. Entretanto,não abandonarei este assunto, sem fazer aos srs. fazendeiros uma reflexão, que só visa a salvaguarda dos seus mais legítimos interesses. Sabemos todos que as condições, que regulam o nosso trabalho agrícola,vão muito breve modificar-se do todo ao todo; e um fazendeiro previdente deve empregar todos os seus esforços para atenuar os males inevitáveis,que os nossos filhos vão atravessar no mais grosso da tormenta. Não podemos contar só com a fertilidade da terra roxa e nos pôr a dormir sobre rosas: podemos despertar sobre espinhos. A terra não faz pouco em dar como dá; não iremos esperar que também opere o milagre de produzir, sem que a cultivemos e plantemos. Está passada a estação dos milagres. Hoje, em vez de maná; só nos ...vem geada do céu. Precisamos trabalhar, precisamos organizar a providência humana. Ora, são precisamente os braços do trabalho, que nos vão faltar. Muito breve, ou antes desde já, não temos outro recurso senão a colonização. Mas, esta não virá de um modo efetivo, enquanto não forem removidos certos óbices. O primeiro destes óbices é o art. 5º da nossa constituição, que concedeu à religião católica, o privilégio de religião do Estado. Esta parcialidade da nossa lei fundamental em favor de um culto, em detrimento de outros, foi para o futuro da nossa lavoura, uma verdadeira calamidade. É aí que está o segredo da nossa impotência, do nosso medonho atraso em todos os sentidos, e é sobre este ponto que todos os patriotas devem concentrar suas reflexões. É impossível que os srs. fazendeiros não estabeleçam mais ou menos um paralelo entre o progresso vertiginoso dos Estados Unidos e a colossal estagnação do Império; é natural que cada um explique a seu modo esse frisante contraste entre dois países vizinhos, concedendo a tal ou tal causa , a principal influência no resultado. Pela minha parte, direi aos srs. fazendeiros que a grandeza material e mental dos norte-americanos repousa simplesmente sobre a liberdade de pensamento. Sem esta base social, são inúteis os maiores e os mais esplêndidos dons da natureza; são inúteis os esforços dos legisladores,que tentam artificialmente promover o comércio, a indústria e as artes; são inúteis quaisquer decretos em benefício da lavoura. A religião católica é um sistema filosófico, que prestou ,sem dúvida, no passado, grandes e inestimáveis serviços à causa da civilização. Devemos-lhe um profundo respeito histórico e a mais viva gratidão. Mas, o seu ofício social esgotou-se com o andar dos tempos e veio a achar-se, afinal, em aberta contradição com as mais enérgicas e legítimas tendências do espírito moderno. A progressão histórica patenteou-nos a mobilidade e o crescimento do progresso social; a revelação católica não consente, nem pode por sua essência, conseguir, que vejamos progresso na evolução destes últimos séculos. A teologia coloca a perfeição social no passado, nos tempos primitivos, contrariamente ao que nos ensina a ciência arqueológica; e, por infelicidade, as nossas necessidades de todos os momentos, o nosso íntimo comércio com o mundo, os nossos mais extensos conhecimentos das coisas da vida, não nos permitem viver sem as aquisições destes últimos séculos, tais como as vias férreas, a telegrafia elétrica, a navegação a vapor, e, mais ainda do que estes grandes instrumentos de conforto, a tolerância filosófica, a liberdade de consciência, a magistratura civil, a diplomacia, a justiça social, o regime da indústria e da paz, a difusão da instrução, etc. E por cúmulo de fatalidade,veio o Syllabus, nos tirar toda possibilidade de conciliação entre o presente e o passado, estabelecendo resolutamente o desesperado dilema: ou o Céu com a Igreja, ou o Inferno com a Ciência ! Sob o ponto de vista dos interesses particulares da Igreja Romana, foi acertado esse passo: é justo que o Santo Padre procure saber com quem trata, se com católicos ou acatólicos. Ele tem os seus motivos para assim proceder. Mas nós também temos os nossos para proceder de modo diverso e procurar salvaguardar os mais palpitantes interesses da legislação civil. O catolicismo desceu das alturas de uma augusta religião, para cair ao nível das exíguas proporções de um pequeno partido político, que emprega miseravelmente a sua atividade e um pouco de influência que ainda lhe resta, em urdir intrigas e trazer a sociedade em constante sobressalto. Outrora eram seus agentes, ministros da paz, hoje são por toda parte, fautores de desordem, revolucionários da pior espécie, soldados do exército negro, cujo único ideal é vingar-se da sociedade civil, lançando o terror no espírito das mulheres e das crianças, e perturbando por todos os meios ao seu alcance, a paz a e serenidade do lar doméstico. A Igreja ou a Ciência ? – dilema grosso de conseqüências, que encerra todo o futuro do Brasil e da Humanidade inteira. Temos confiança que a província de São Paulo, que ao menos os paulistas, optaram pela Ciência. A província que primeiro percebeu os sintomas de agonia da monarquia e que acaba de provar que está preparada para remediar o caso, não pode desfalecer nesta solene emergência. Esperamos, mais ainda, esperamos que os paulistas comemorarão o ato de sua despedida das bênçãos de Roma, criando em sua bela capital, uma nobre e austera “Escola”, que será o seu orgulho e o seu supremo baluarte contra as criminosas tentativas da retrogradação ao passado. Ciências naturais e terra roxa; filosofia positiva e poesia nos bancos da escola; arados e trabalho entre as ruas verde-rubras de esplendorosos cafezais; embelezamento do espírito e embelezamento da terra, nossa mãe comum; elevação do nosso nível moral repousando sobre as bases imutáveis de uma consciente e enérgica extensão de nossa vida material: eis o mais alto e grandioso ideal, que se deve nutrir todo verdadeiro patriota. Pensem bem nisto os paulistas. O império desabando sob o peso de suas próprias enormidades, cuida neste momento , em criar na corte, uma “Universidade!”.
Dr. Luiz Pereira Barretto 23/11/1876
Fonte:
Matéria enviada por:
José Eduardo de
Oliveira Bruno - SP, junho de
2004.
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