Homenagem ao grande
Genealogista,
Filatelista e Historiador
ITAMAR
BOPP
Entrevista com Itamar Bopp
Revista Aciar
1994
Itamar Bopp
O homem de
muitas vidas
0 historiador
Itamar Bopp, gaúcho, mas resendense
de coração e por título de
cidadania, esteve na cidade, no fim
de março (de 1989) ,
para lançar
seu livro mais recente - "Notas
Genealógicas e Históricas de Roque
Bicudo Leme, Simão da Cunha Gago,
Felipe Teixeira Pinto e Fernando
Dias Paes Leme da Câmara'' -
patrocinado pela Indústrias Químicas
Resende-IQR/Sandoz,
como parte das comemorações dos 25
anos da instalação da fábrica no
Município.
Aos 87 anos,
lúcido e com memória prodigiosa,
Itamar Bopp contou um pouco de sua
vida a Luiz Geraldo Whately, Chico
Fortes, Sandra Massetti, Frederico
de Carvalho e Mauro Menandro.
(Na Revista, não estão identificados
os autores das perguntas).
Qual a origem do seu amor por
Resende?
Itamar Bopp - Minha vida foi muito
agitada, até eu chegar à Resende.
Saí do Rio Grande do Sul, em 1926,
meio fugido, sem dizer a meus pais
que vinha para cá. Sempre fui muito
encantado por Minas e São Paulo.
Dizia-se que Minas tinha mais gado,
mais cavalo, e eu, sempre apaixonado
pela pecuária, não acreditava nisso.
Um dia, um amigo meu, um judeu, me
disse: "Por que você não vai para
São Paulo? Lá você terá outra vida".
Eu estava estudando em Porto Alegre,
mas não estudava; gostava é de
praticar esporte, no Grêmio, e
trabalhava na firma de meu pai. Mas
aceitei a sugestão do meu amigo e
fui para São Paulo. Peguei o vapor
Itapuca, sem dinheiro, e fui para
Santos. No Rio Grande, não havia
praia e eu nunca havia visto mulher
daquele jeito, de malha; fiquei
encantado.
Subi a serra para São Paulo, de
trem, sem pagar a passagem. Quando o
fiscal me pedia o bilhete, eu dizia
que não tinha. Ele me botava para
fora e eu pegava o trem seguinte,
até chegar a São Paulo. Quando
cheguei, me perguntei: "E agora,
para onde é que eu vou?". Só sabia o
endereço do meu amigo judeu. Dormi
num hotel, em frente à Estação da
Luz, e, no dia seguinte, fiz contato
com ele. Então, o meu primeiro
emprego foi o de vendedor de
tecidos. Ía, de casa em casa, com
aquele mostruário.
Conheci todos os cantos da cidade,
até mesmo aquelas zonas brabas.
Passando um tempo, meu amigo me
convenceu a ir para o Rio de
Janeiro. Me deu três ternos novos e
me colocou na Sul América. Saí sem
saber o que era seguro, aquele monte
de papel, e acabei em Minas. Comprei
uma motocicleta e um carro e rodei
todo o Estado, além do Rio de
Janeiro e do Espírito Santo, fazendo
negócios.
Meu irmão Raul já havia dito: "Você
não pode casar; tem que caminhar,
conhecer todo o Brasil". Com o
dinheiro de um negócio, no Espírito
Santo, fui ao Rio de Janeiro, tomar
um banho de civilização. Um belo dia
de 1929, vim à Resende. Havia muita
efervescência política, mas nunca me
interessei por isso.
Sempre fui apolítico. Nunca
ingressei em um partido político,
nunca tive emprego público, nunca
fiz negócio com prefeituras, estados
ou governo federal. Nunca peguei
dinheiro de ninguém, a não ser dos
seguros que vendia. Cheguei a voltar
para o Rio Grande. Poderia ter
ficado, mas, movido não sei por quê,
acabei retornando à Resende, em
1930.
Apesar de todas essas andanças,
Resende é sua referência maior?
- Em primeiro lugar, por causa da
minha mulher, a Sílvia, que conheci
aqui. Em segundo, por causa de uns
tirinhos que levei em praça pública.
Quatorze médicos vieram me operar.
Ninguém queria me dar atestado de
óbito. Me levaram para Santa Casa e,
depois, me mandaram, de trem, para
Lorena. Como ninguém me esperava, me
levaram numa carrocinha de lixo, até
a Santa Casa de lá. Só fui operado
no outro dia, às 9 horas.
Esse episódio ocorreu onde?
- No segundo banco da praça do
Lavapés. Todo dia, eu passava no
mesmo lugar. Olhei para o meu
desafeto, puxei uma faquinha, porque
não estava com revólver, e levei
quatro tiros. Ele deu seis, mas
errou dois. Um dos tiros pegou na
ponta do coração. Todo médico que
chegava, não queria me pegar. Agora,
há pouco, tirei umas radiografias,
fiz um check up para ver se
estava podre ou não. E não estava.
Eles mostraram que tenho menos duas
vértebras e menos nove centímetros
no fígado. Mesmo ferido, ainda corri
atrás dele e, bem na esquina da rua
Direita, dei-lhe um soco. Ele caiu
para um lado e eu para o outro. Foi
aí que me pegaram. Na Santa Casa, só
me deram soro. Fui perfeitamente sem
dor, até Lorena. Fiquei preocupado
com o pagamento, porque não tinha
dinheiro. Na hora de pagar, disseram
que estava tudo pago. Anos depois,
descobri que fora a maçonaria de
Resende.
Você era maçom, nessa época?
- Em Porto Alegre, eu fui, durante
dois anos. Depois, vim embora e
nunca mais tive contato.
Por que não o operaram aqui?
- Porque tinha perfurações no
coração e no intestino. Estava
morto. Todo mundo dizia: "Mataram o
Itamar!".
Nessa época, você era o tabelião.
- Em 1929,
estava no Rio, sem emprego. O
Alcindo Brito me fez fazer um
concurso e fui aprovado. Mas só fui
nomeado em 1931, já aqui em Resende,
para o cartório do 2 °
Ofício, do Noel de Carvalho. Aí eu
sofri outro atentado. Estava
sentado, à minha mesa, quando
entraram três homens de chapéu.
Houve um tiroteio e a minha mesa,
que hoje está com o Oswaldo
Rodrigues, ficou com três buracos.
Abandonei o emprego e fui embora,
porque meu pai me disse: "Eu quero
um filho vivo". Dizem que, até hoje,
há perfurações também na porta do
cartório, que ficava ali na praça do
Centenário. A confusão foi tanta que
meu revólver ficou na mesa. Nem tive
tempo de apanhá-lo. Por causa disso,
tenho uma porção de marcas de balas
pelo corpo.
Quem foi o agressor?
- O Gabizo. Ele chegou dizendo que
eu era culpado por ele ter sido
condenado pela Lei de Imprensa, mas
eu não tinha nada com isso.
Lei de Imprensa por que?
- Era alguma coisa ligada à Caixa
Rural. Eu era apenas depositante,
não tinha nada com a direção da
Caixa.
O Gabizo morreu. E o filho dele, não
foi baleado também?
- Ficamos
presos juntos.
Como o Gabizo veio parar aqui?
- Ele era
delegado, em Santa Teresa, e não sei
por que veio parar aqui. Acho que
comprou um sítio. Também levei um
tiro, não sei de onde, porque tinha
uma "baratinha" Studebaker, que
fazia muito barulho. Uma vez, também
escapei de outro tiro, em Campos
Elíseos, em frente a um hotel. Me
joguei na lama, porque, naquele
tempo, tudo ali era barro.
Já estava calejado, não é?
- Pois é. E, mais uma vez, não tinha
nada com isso.
0 Raul, seu irmão, é um dos maiores
poetas do Brasil. Ele escreveu um
livro - "Cobra Norato" - sobre a
Amazônia. Como foi isso?
- Meu pai foi um dos colonizadores
de Tupanciretã, onde nasci. O Raul
saiu de casa cedo, para estudar em
Porto Alegre. Não sabia andar a
cavalo, o que desagradava meu pai.
Por isso, quando ele ia à cidade,
onde namorava uma garota muito rica,
não gostava de ir à fazenda. Mas, um
dia, ele pegou um cavalo e fugiu.
Chegou à São Borja e vendeu o
cavalo. Eu e meu pai tivemos que ir
à São Borja para comprar o cavalo de
volta. Depois, entrou pelo Uruguai,
Paraguai, passou pelos Andes e foi
parar no Amazonas, onde escreveu o
livro e fez o quarto ano de Direito,
terminando o curso no Rio.
Fale um pouco do livro que você está
lançando.
- Pesquisando a família Nogueira, de
São Paulo, descobri que o Roque
Bicudo Leme, que é da família
Nogueira, foi um dos primeiros
povoadores de Resende. Resolvi
registrar isso, por amor à cidade e
à sua gente, com quem sempre me dei
bem, apesar de sempre ter me dado
mal nos negócios aqui.
Tive oito negócios, todos ruins. Uma
vez, resolvi comprar um terreno. O
dono disse que era dez contos. Como
não tinha dinheiro, porque era uma
fortuna, demorei um mês para voltar.
Aí, ele aumentou para vinte contos.
Quando voltei, já fui com o
revólver. Ele queria 60 contos.
Puxei o revólver e disse: "Assine o
recibo". Ele assinou como um
cachorrinho.
Quer dizer que seu interesse pela
história começou pela genealogia?
- E pela filatelia. As três se
complementam. Eu sou filatelista.
Tenho 14 medalhas de ouro, em
diversos países. Tenho mais de 100
olhos-de-boi. Sempre gostei de
selos; desde os sete anos. Estudava
no ginásio Santa Maria, de irmãos
franceses, apesar de ser descendente
de alemães. Meu interesse foi
despertado por um padre professor,
que também era filatelista. Agora
mesmo, acabei de ganhar uma medalha
de prata, em São Paulo, numa
exposição internacional. Minha
coleção é enorme. Nem sei o que vou
fazer com ela. Acho que vou dar para
os netos ou jogar fora.
Fale um pouco sobre a filatelia.
- No Brasil, de 1829 a 1843, não
havia selos. O destinatário é que
pagava o porte, quando recebia a
carta. Era curioso, porque você
podia escrever desaforos para alguém
e ele era obrigado a pagar para
recebê-los. Em 1843, o Brasil foi o
segundo país do mundo a lançar
selos. Ao pesquisá-los, fui
descobrindo os agentes dos Correios
e suas famílias, partindo para a
genealogia. E tudo isso é história.
Só de Resende, tenho 80 mil nomes. O
Roberto Cotrim, um dia, disse: "O
Itamar é meio louco. Ele sabe de
coisas da nossa família, que nem a
gente se lembra". Costumo dizer que
do passado conheço todo mundo. Só
não conheço os novos.
Os jornais também?
- Também.
Tenho coleção d'A
Lira, do Timburibá, do Itatiaia, do
Resendense. Muita coisa importante.
Minha ligação com jornais é antiga.
Quando saí de Resende, em 1933, fui
para o Rio e trabalhei na agência de
notícias do Assis Chateaubriand.
Ganhava dez mil réis e não recebia,
porque ele não pagava.
De lá fui para São Paulo, como
inspetor de seguros. Mas como seria
inspetor se não conhecia ninguém?
Por amor próprio, preferi ser
corretor, porque ganhava pelo que
trabalhava. Mesmo assim, ganhava
pouco; mal deu para me casar. E,
assim, fiquei no ramo de seguros.
Hoje em dia, não devo nada a
ninguém, tenho minha renda que dá
para viver, juntando uma coisa aqui,
outra ali. Não tenho pecados.
Mas o que é pecado?
- Pecado
é dever a alguém.
Os entrevistadores
Quem é quem
Luiz Geraldo de
Paiva Whately
Empresário,
pecuarista, presidente da Associação
Comercial,
Industrial e
Agropecuária de Resende-Aciar e
idealizador da
Revista ACIAR.
Francisco Fortes
Filho
Engenheiro, foi
superintendente da Hidrelétrica de
Itaipu e, atualmente, trabalha na
recuperação do rio Tietê (SP).
Pecuarista.
Mauro Giffoni
Menandro Administrador de empresa,
pecuarista e empresário.
Fernando Aurélio
da Costa Ribeiro Advogado e
contador.
Frederico de
Carvalho Filósofo, ex-editor do
jornal A Lira, empresário.
Maria Celina
Whately
Historiadora,
ex-editora d'A Lira,
colaboradora do jornal Pé da
Serra, uma das
fundadoras do grupo de teatro Boca
de Cena. Hoje,
caprinocultora e
colaboradora do jornal Imprensa
Livre.
Rosiane Taucei
Jornalista.
Sandra Massetti
Ex-repórter
fotográfica e contato publicitário
d'A Lira, repórter
fotográfica da Revista Aciar.
Fotógrafa.
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Fonte: Entrevistas publicadas na Revista Aciar - Edição de Anita Bevilaqua e Maria Celina Whately - 1ª Edição - Resende 1994.
Texto gentilmente ofertado
pelo
Dr. José Eduardo Bruno de Oliveira.
Se quiser um contato com o site, ou com o Dr. José Eduardo de Oliveira Bruno,
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